CIDADE-LIMBO
Uma foto-descrição de Songa em inícios de 2007.
Depois, reclamam da cidade não ter progredido.
Quanta coisa mudou, nos últimos 17 anos, hein?
O
desemprego é a maior doença da comunidade. O alcoolismo, a segunda. Uma
população estável há 30 anos revela o êxodo (jovens de famílias de recursos e
adultos em busca de trabalho) que anula o crescimento demográfico, mais
expressivo nas classes menos abastadas. A política, por um cacoete
histórico de boa parte das cidades do interior da Bahia, ainda é dominada por
pessoas que elegem a si ou a prepostos. A vereança é vista como forma de se
alcançar melhoria de vida, posto serem os 2,5 mil mensais de proventos, uma
remuneração muito acima da média da cidade.
Em termos
de infraestrutura temos nada de tudo e tudo de nada. Não temos enchentes, não
temos encostas, não temos ladeiras, não temos temperaturas extremas, não temos
grandes períodos sem chuvas. Dispomos de uma razoável infraestrutura
urbana. Uma pousada que não tem hóspedes, um clube social que fechou as
portas há vários anos, uma biblioteca que (quase) não tem livros, um cineteatro
que não tem atividades-fim, um centro de abastecimento que pouco abastece. Não
temos nenhuma extensão da Universidade. Já tivemos três casas de saúde o que,
convenhamos, era um exagero para nosso porte. Hoje temos um só hospital. Agora
se inaugurou, diga-se, muito bonito, um centro de artesanatos. Que não tem
público. Ah! Sim! Também temos um lixão, a céu aberto, praticamente dentro da
cidade. Hora dessas irei publicar fotos na internet.
Praças não
faltam. A cobertura vegetal é invejável. E, como em todo limbo, a silhueta
urbana é longilínea e plana.
Ruas prosaicas tremem com o andar de carroças, com
negros motorneiros balançando relhos, numa misturança que cheira a cavalos
suados e barulhos de ferraduras, duras como o ferro, a galopes sobre pedras
gastas pelo tempo.
Oitizeiros aos passeios, cansados das mesmas
paisagens, querendo se transformar em pássaros verdes, espalmando asas sobre as
telhas vãs das casas que, como xifópagas, nasceram coladas umas às outras.
Gentes dormentes e silentes, num silêncio de madrugadas,
penduradas nas janelas, a desnudar pensamentos alheios, quase fazendo corar
passantes.
Casarões seculares calados, alheios, estáticos como em
fotos, guardando pedaços e recortes de vidas passadas.
Um detalhe:
aqui não se veem casas de aluguel. Quase todos têm seu canto próprio, sua
casinha por simples que seja. Nos últimos tempos, percebe-se acentuada melhoria
do comércio de alimentos e de materiais de construção. Reflexos do aumento da
renda da base da pirâmide e dos financiamentos para aposentados. Intervenções
urbanas em ruas, praças e no trânsito intentam dar ares de modernidade à
cidade. Divulga-se a intenção de se construir um viaduto. Temo sejamos, amanhã
ou depois, rotulados como “tabaréus chiques”.
O fato é
que ainda não somos urbanoides, embora já tenhamos deixado de ser sertanejos. É
o velho lugar, onde habitam os pagãos, do qual falei ao início. Bem, mas entre
o inferno e o paraíso, ainda acho melhor, aqui viver-se. Pelo Ao menos
enquanto o Papa não revogar a existência do limbo e onde, por ora, ninguém
franze o cenho, nem torce o nariz para a fumaça dos charutos.
Hugo
Adão de Bittencourt Carvalho (1941), economista, cronista, é autor
do livro virtual
Bahia – Terra
de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças Magicas e Palavras
ao Vento,
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