quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A festa

Era uma festinha de fim de semana como outra qualquer. Como aquele churrasquinho ou feijoada que a gente faz para reunir os amigos. Faz-se uma vaquinha, aluga-se um espaço, nomeia-se um tesoureiro e um comprador, contrata-se músicos, garçons, e etc & tal. Está organizada a festa. E ali, reunidos os amigos, acompanhados de esposas, filhos, e outros parentes, vai se matando as saudades, lembrando dos bons e velhos tempos, conversando sobre trabalho, política, futebol, carros, filhos, e sobre a vida dos outros também, que ninguém é santinho aqui.

Era uma festa assim, mas com a pequena diferença de que todos eram hipocondríacos. Como, minha senhora? A senhora não sabe o que é isso? Explico: Hipocondríaco, segundo está lá no Aurélio, é aquela pessoa cujo estado mental é caracterizado por uma doentia e infundada preocupação com a própria saúde.

Por isso que naquela festa, além das providencias citadas acima, também havia uma UTI móvel (equipada com desfibrilador), médicos e enfermeiras. Também foi montado sob um toldo climatizado, um ambulatório, com maca, tensiômetro, estetoscópio, seringas descartáveis, e medicamentos os mais diversos.


Para que o leitor possa entender melhor o que é um hipocondríaco, lembro de uma crônica escrita por Fernando Sabino, sobre o encontro de um hipocondríaco com um amigo, numa lanchonete. O diálogo era mais ou menos assim:
- Olá, como vai?
- Mal.
- É, você está um pouco pálido.
- Bondade sua. Mas a verdade é que ninguém me entende.
E aí o sujeito começa a desfiar uma série de sintomas de doenças que ele acha que tem, e acusa o seu médico de estar em cumplicidade com sua família, pois se recusa a prescrever novos exames e medicamentos que ele acha que precisa. – Estão todos contra mim. Querem que eu morra! Esbravejava, indignado.
E naquela festa os convidados começavam a chegar. Chegou até um gay que cismou estar com HIV. Trazia na mão uma cestinha daquelas de supermercado cheia de coquetéis de combate a AIDS e, é claro, muito AZT.
- Rapaz, há quanto tempo. Como você está pálido.
- Pois é, pra você ver. É essa minha anemia.
- Nem me fale. Eu também estou assim.

E as mulheres conversando:
- Amiga você já experimentou o novo anti-histamínico do Squib?
- Não, queridinha. Minha onda agora é medicina alternativa. Estou fazendo um tratamento de Acupuntura que é maravilhoso. E o seu marido, o César, melhorou da azia?
- Que nada minha filha. Até o biscoito que ele come deixa o estomago em brasa. Eu já falei pra ele trocar de médico. Dr. Augusto está muito velho, ultrapassado. Imagine que ele se recusou a fazer a cirurgia pra tirar a úlcera que Cezar tem no estômago. Ele insiste em dizer que César não tem nada, querendo saber mais do que nós.

- É. Esses médicos são todos iguais. Nem examinam a gente direito. Imagine que o meu médico, Dr. Outran, não quis me prescrever um novo check-up, só porque eu tinha feito um no mês passado. Quem sabe o que eu tenho sou eu, ora. Quem sente os sintomas sou eu e não ele.

E o cardápio? Nada de feijoada ou maniçoba. Picanhas, cupins, alcatras ou costelinha de porco estavam fora de questão. Massa, não que engorda. E para beber nada de bebidas alcoólicas destiladas. Cerveja só sem álcool, e assim mesmo só para quem não taxa tem ácido úrico elevada. Refrigerante só sem açúcar. O negocio é carne branca (bovina e suína nem sonhar). Franguinho grelhado, com pouco sal, por causa dos hipertensos. E algumas iscas de peixe (de escama, que peixe de couro faz mal à saúde).

E nas mesas o papo continuava. Cada conviva que chegava tinha uma novidade pra contar, ou algum tipo de tratamento ou medicamento novo pra mostrar. Estavam todos ali, falando das suas mazelas e seqüelas, trocando receitas como quem troca presentes, uma felicidade geral.

Mas, como em toda festa que se preza, tem sempre alguém que quer chamar a atenção de todos, aparecer para a galera. E, sendo assim, o Aderbal chegou fazendo sua entrada triunfal. Chegou de maca, tomando soro na veia, com a mulher ao lado, devidamente uniformizada de enfermeira.

- Apesar do estado dele, a gente não podia perder esta festa. Quem sabe aqui ele se anima e melhora. (explicou a mulher).

O gay não se conteve. Deu um gritinho histérico e bradou: “Aderbaaaalll! Você ar-ra-zou”!!!!

NE: Crônica publicada no livro Sempre Livre

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