Chega pelo WhatsApp a mensagem de
que há um um estuprador atuando em escolas da região. Em instantes, a
postagem é espalhada a diversos grupos sem nenhum critério ou apuração
e, em intantes, a população de diversos bairros está em pânico.
O
exemplo foi relatado como algo corriqueiro pelo jornalista Rene Silva,
de 24 anos, fundador da página Voz das Comunidades, que retrata o
cotidiano do Complexo do Alemão e de outras 14 comunidades no Rio de
Janeiro.
O jovem foi escolhido em 2018 como um dos 100 negros com
menos de 40 anos mais influentes do mundo. Ele falou que frequentemente
precisa usar seu canal de notícias para desmentir boatos surgidos em
redes sociais e evitar pânico entre a população.
Ao lado dele durante o seminário "Beyond Fake News - Em Busca de
Soluções", promovido pela BBC News Brasil nesta terça-feira, a
professora Lilia Melo, que ganhou o prêmio de melhor professora do
Brasil em 2018, promovido pelo Ministério da Educação, disse que também
vive situação semelhante no bairro Terra Viva, onde dá aulas, na
periferia de Belém do Pará.
Ela relata que frequentemente surgem
mensagem falsas que criam alarde nas comunidades da região e se espalham
de maneira incontrolável.
Melo
diz que boa parte de seus alunos tem acesso a redes sociais por meio de
celulares e que os professores são cruciais para que as crianças e
adolescentes tenham conhecimento, saibam identificar uma notícia falsa e
usem a tecnologia no combate à propagação de fake news.
"O
professor precisa entender esse consumo [de informação] e formar
pessoas que usem isso a serviço da comunidade. E nós somos uma
ferramenta. Somos aqueles que montam o palco do show, produz, fica na
plateia, aplaude, desmonta o palco e vai embora", afirmou Lilia Melo.
Melo foi escolhida pelo Minstério da Educação como a
melhor professora de Ensino Médio do Brasil em 2018 por incentivar
ações culturais na Escola Estadual Brigadeiro Fontenelle, na periferia
da capital paraense. O projeto da professora, batizado de "Juventude
Negra Periférica: Do Extermínio ao Protagonismo", tem a intenção de
ressaltar o papel do negro na sociedade.
Ele incentiva a produção
de conteúdo audiovisual pelos próprios alunos para retratar o cotidiano
deles no bairro Terra Viva, tratado pela imprensa como um dos mais
violentos do Estado.
A intenção, segundo ela, é valorizar e
reconhecer a identidade negra e ribeirinha da região. Desde o início do
projeto, lançado em janeiro de 2015, os estudantes desenvolveram
diversos trabalhos de dança e teatro inspirados no hip hop e na cultura
negra.
A professora também ficou conhecida por uma campanha na
internet para levar seus alunos para assistir ao filme "Pantera Negra",
que ganhou três Oscars: Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino e Melhor
Trilha Sonora Original.
Pânico no Complexo do Alemão
Rene Silva afirma que as fake news, principalmente as difundidas pelo WhatsApp, causam uma grande instabilidade nas favelas do Complexo do Alemão, onde ele vive.
"Elas [fake news] quebram a rotina na hora. O
mototáxi para, as empresas param, as pessoas não saem para ir ao
trabalho. A gente, em conjunto com outras favelas, está o tempo inteiro
combatendo esse tipo de conteúdo. A gente apura as informações com
delegacia e faz um trabalho muito dificil de apuracao para evitar esse
pânico", explicou durante o seminário da BBC News Brasil.
O
carioca ficou conhecido ainda na adolescência por transmitir pelo
Twitter os primeiros registros da ocupação no Complexo do Alemão pelas
Forças Armadas em 2010. Na época, ele tinha 17 anos.
Em 2018, aos
24 anos, ele foi escolhido um dos 100 negros com menos de 40 anos mais
influentes do mundo pela Most Influential People of African Descent
(Mipad), (Afro-descendentes Mais Influentes, em tradução livre), de Nova
York.
Silva afirmou ter criado o meio de comunicação para mostrar
o que a grande imprensa não noticiava, como ruas com esgoto a céu
aberto, esburacadas e sem iluminação. Depois, teve um papel fundamental
para contar as histórias humanas quando houve a ocupação do Alemão.
Tempos depois, virou, principalmente, um canal para desmentir notícias
falsas.
"Quando eu via imprensa fazendo sensacionalismo, eu
corrigia. Certa vez, uma emissora estava na frente da favela com uma
entrada ao vivo. O jornalista mostrou os escombros e disse que foi feito
pelo Caveirão [veículo blindado usado pela polícia fluminense], mas na
verdade eram de obras de um parque", relembrou.
O que são 'fake news'
A BBC considera fake news
informações falsas distribuídas intencionalmente, geralmente com fins
políticos ou comerciais. "O propósito é convencer as pessoas a pensarem
de uma certa maneira, a votarem de uma certa maneira, ou ganhar dinheiro
de publicidade toda vez que alguém clica em um conteúdo fraudulento",
disse o diretor do BBC World Service Group, Jamie Angus na abertura do
evento.
Ele afirmou que, no Brasil, a desinformação
compartilhada nas redes pode causar mortes - assim como informações
falsas sobre sequestros de crianças provocaram uma série de linchamentos
na Índia e no México.
"Comunidades
em favelas recebem rumores falsos sobre onde tiroteios ocorrem, vítimas
são injustamente associadas à criminalidade numa tentativa de
justificar essas mortes."
Ele citou reportagens da BBC News Brasil que expuseram táticas de disseminação de fake news, entre as quais a criação de perfis falsos para manipular a opinião pública nas eleições de 2010 e 2014.(BBCBrasil)
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