quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sensual e vulgar*



Essa discussão apareceu por aí e me fez pensar, já que eu andei escrachando o gosto por barbies um tempo atrás. Continuo achando tudo aquilo e até levo mais a sério os conflitos homossexual/homofóbico que certos gostos estereotipados podem traduzir. No entanto, essa contraposição entre o que é “sensual” e o que é “vulgar” de certa forma me incomodou e me fez refletir sobre a origem desses termos e seu significado.
Por mais que eu abomine toda forma de normatividade estética, sou obrigada a admitir que também me filio a uma perspectiva dessas, normativa, policialesca e, por que não assumir de uma vez? Preconceituosa. Quando criticamos – seriamente ou pelo ridículo – quem aprecia barbies por ser um gosto vulgar, convencional ou conservador, estamos nos separando dessas pessoas e nos colocando acima delas. Procurei o significado de quatro palavras do Houaiss e reproduzi abaixo: vulgaridade, vulgo, sensualidade e sensual.
Vulgaridade vem de vulgo, que quer dizer povo, multidão, pejorativamente “ralé”. É o antônimo de “elegância”. Quando reprovamos algo vulgar, rejeitamos o que consideramos de gosto popular, pois somos elegantes e sofisticados. Enormes peitos de silicone e excesso de maquiagem são coisas vulgares. Que estética é essa? É a estética das porn-stars, tão apreciadas quando se expondo para o sexo também chamado “de putaria”. Indiretamente, estamos cooperando para essa separação entre o sexo politicamente correto e o sexo de putaria, a estética sexual politicamente correta e a estética sexual de filme pornô. A qual, vamos admitir, é de fácil digestibilidade e CONSUMO DE MASSA.
O problema parece estar aí: é de consumo de massa. E, pelo desejo de diferenciação que se expressa de forma diferente dependendo do segmento, ninguém quer se identificar com o lado bobo, manipulável e ridículo da massa. Os políticos do PT podem comer buchada no boteco da Vila Ângela no domingo de feira enquanto apreciam queijo Saint Paulin com torradas de linhaça ao som de Stranvinky à noite, mas esse é o lado bacana, “do bem” de se identificar com a massa!
De onde vem esse conflito? Vem de uma contradição política e ideológica que incomoda a todos os seres pensantes desde que o mundo precisa ser mudado. A busca da justiça social é um desejo muitas vezes genuíno de que todos os seres humanos tenham acesso ao que é bom, seja essencial ou não. É uma atitude empática. Só que do ponto de vista populacional, por motivos não muito difíceis de explicar, a maior parte da população de uma sociedade onde existe exclusão e estratificação é alienada, conservadora e cheínha de preconceitos e violência (simbólica e física). A “massa” é sempre conservadora e resistente a mudanças, machista, esteticamente preconceituosa e politicamente alienada. Foi a “massa” que colocou Hitler e Perón no poder, foi a massa que manteve Stalin como ditador, foi a massa que elegeu Color de Mello. A “massa” deu força às piores iniciativas da igreja católica, a massa curtia fogueira de bruxas, a “massa” justifica assassinos de mulheres, a “massa” impede o ensino da teoria da Evolução nas escolas americanas, a “massa” é foda! Ou seja: por mais que empatizemos com “a massa” e queiramos para ela condições dignas de existência, rejeitamos e temos medo desse lado feio, violento e opressivo dela.
Existe coisa mais submissa do que uma puta? Do que alguém que é paga para simular uma situação onde o homem tenha poder total e a mulher apenas satisfaça seus desejos? Não transgrida nada? Não existe: sexo com puta é uma espécie de paradigma da dominação sexual, a expressão suprema da sociedade patriarcal. No entanto, está no imaginário de todo mundo.
Temos uma relação para lá de ambivalente com esses símbolos. Para rejeitar o que representam ideologicamente de opressivo e conservador, abrimos mão de coisas que estavam ali e eram importantes. Jogamos fora o bebê com a água do banho. E aí vem a semântica das palavras “sensualidade” e “sensual”. Sensualidade diz respeito aos “sentidos”, a corpo, mas traz junto outros significados relativos à expressões mais agressivas da sexualidade: volúpia, luxúria, prazeres sexuais ousados. E quem não quer tudo isso? Mas como separar essas expressões ousadas e agressivas da vulgaridade, da sexualidade de putaria dos MacDonnalds sexuais da vida? Fica difícil resolver essa equação e vivemos nesse conflito, rejeitando estéticas que sejam exageradamente óbvias na sua estereotipação convencional, mas flertando com inúmeros símbolos da putaria.
Vários amigos meus confessam que acham a Joanna Prado na “personna” Feiticeira a coisa mais comível do mundo, mas que jamais teriam coragem de andar de mãos dadas com ela num local público e apresentá-la aos amigos. Uma versão mais light, menos bunduda, menos plastificada, com menos jeitão de puta, é apresentável.
Por mais vanguarda que tentemos ser, no fundo caímos na eterna armadilha judaico-cristã da polaridade “puta-santa”. Enaltecemos o sexo livre, criticamos as convenções, mas imediatamente começamos a construir fronteiras estéticas, lingüísticas e comportamentais para o aceitável e o não-aceitável. E infelizmente, acabamos abrindo mão de muita coisa legal, muita coisa SENSUAL e muita coisa LIVRE com isso.
Não sei como resolver esse problema – esse texto não foi escrito para resolver nada nem apontar soluções. Escrevi mesmo para admitir um dilema que acho que não é só meu...

Marilia Coutinho

* Pesquisando sobre o que é vulgar e elegante, resolvi publicar este texto da Marília Coutinho. O debate é interessante e nem mesmo a Marília é conclusiva nas suas dissertações. Está aberta a discussão.

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