Cristovam Buarque
O Brasil comemora sua posição de sétimo
maior PIB do mundo, mas o PIB per capita rebaixa o país para a 54ª posição no
cenário mundial; no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) ficamos em 85º
lugar. Fingimos ser ricos, apesar da pobreza.
Nos últimos 20 anos, passamos de 1,66
milhão para 7,04 milhões de matrículas nos cursos superiores, mas quase 40% de
nossos universitários sabem ler e escrever mediocremente, poucos sabem a
matemática necessária para um bom curso nas áreas de ciências ou engenharia,
raros são capazes de ler e falar outro idioma além do português. Fingimos ser
possível dar um salto à universidade sem passar pela educação de base.
Comemoramos ter passado de 36 milhões,
em 1994, para 50 milhões de matriculados na educação básica, em 2014, sem dar
atenção ao fato de termos 13 milhões de adultos prisioneiros do analfabetismo;
54,5 milhões de brasileiros com mais de 25 anos não terminaram o Ensino
Fundamental e 70 milhões não terminaram o Ensino Médio. Fingimos que os
matriculados estão estudando, quando sabemos que passam meses sem aulas por
causa de paralisações ou falta de professores.
A partir de 1995, no Distrito Federal e
em Campinas, iniciamos um programa que serve de exemplo ao mundo inteiro,
atualmente chamado de Bolsa Família e que transfere por mês, em média, R$ 167
por pessoa pobre, o que lhe assegura R$ 5,67 por dia, valor insuficiente para
aliviar suas necessidades mais essenciais. E fingimos que, com esta
transferência, estamos erradicando a pobreza que é caracterizada efetivamente
pela falta de acesso aos bens e serviços essenciais que não estamos oferecendo.
Fingimos ter 94,9 milhões na classe
média, sabendo que a renda média mensal per capita dessas pessoas está entre R$
291 e R$ 1.019, quantia insuficiente para uma vida cômoda, especialmente em um
país que não oferece educação e saúde públicas de qualidade.
Comemoramos o aumento da frota de
automóveis de, aproximadamente, 18 milhões, em 1994, para 64,8 milhões, em
2014, fingindo que isto é progresso, mesmo que signifique engarrafamentos
monumentais.
Comemoramos, corretamente, termos
desfeito uma ditadura, esquecendo que a democracia está sem partidos e a
política se transformou em sinônimo de corrupção. Fingimos ter uma democracia
com liberdade de imprensa escrita em um país onde poucos são capazes de ler um
texto de jornal. Assistimos a 56 mil mortos pela violência ao ano, e fingimos
ser um país pacífico, sem uma guerra civil em marcha.
Fingimos ser um país com ambição de
grandeza, mas nos contentamos com tão pouco que os governantes se recusam a
ouvir críticas sobre a ineficiência dos serviços públicos. Preferem um otimismo
ufanista, comparando com o passado que já foi pior, e denunciam como
antipatriotas aqueles que ambicionam mais e criticam as prioridades definidas e
a incompetência como elas são executadas. Antipatriota é achar que o Brasil não
tem como ir além, é acreditar nos fingimentos.
Artigo
do senador Cristovam Buarque publicado em O Globo de 31/5.
Nenhum comentário:
Postar um comentário