O protesto em São Paulo
transcorria em silêncio até que, ao se ver refletida na fachada de um
prédio na Avenida Brigadeiro Faria Lima, a multidão passou a gritar
festivamente.
"A massa olhou-se no espelho e viu-se desperta,
viu seus músculos plenamente desatrofiados, revigorou-se com sua própria
vaidade", lembra o escritor paulistano Julián Fuks no texto As vozes das ruas dizem tudo e nada, sobre os atos que chacoalharam o Brasil em junho de 2013.
Um ano depois, qual foi o saldo
daquele movimento? Ao descobrir sua força, ao "revigorar-se", o povo que
foi às ruas conseguiu fazer alguma diferença no cenário sociopolítico
nacional? Ou tratou-se de um surto de narcisismo coletivo sem maior
repercussão para a história do país?
"A novidade que trouxeram as jornadas de junho, e
esse me parece seu maior saldo particular, foi a emergência de uma
impressionante força política potencial", escreve Fuks.
Para Marco Aurélio Nogueira, professor de ciência política da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e autor de As ruas e a democracia, junho de 2013 "introduziu as manifestações na corrente sanguínea da sociedade".
"As ruas se tornaram protagonistas da política
brasileira mais do que haviam sido até então", disse à BBC Brasil.
"Aprendemos a conviver com manifestações, a entender que são parte
importante da vida de uma sociedade como a brasileira".
Nesse sentido, afirma Nogueira, as jornadas de
junho tiveram um peso histórico equivalente ao de outros grandes
movimentos populares nacionais, entre os quais as Diretas Já, que
ajudaram a enterrar a ditadura militar, e os Caras Pintadas, que
pressionaram pelo impeachment do presidente Fernando Collor.
Marcos Nobre, professor de filosofia da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas), prefere a expressão "revoltas de
junho" para se referir àquelas mobilizações – expressão mais fiel, diz
ele, à tradição brasileira de grandes revoltas populares, como a do
Vintém (1879-1980), a da Chibata (1910) e a da Vacina (1904).
Para ele, "junho de 2013 encerra a
redemocratização brasileira" iniciada com a volta do multipartidarismo,
em 1989, e "abre um novo ciclo de democratização".
Nobre diz que as pessoas foram às ruas para
rejeitar o sistema político em vigor. "A noção de democracia no Brasil
se ampliou, o que exige que as instituições também se democratizem."
E as instituições souberam ouvir as ruas?
Para Nobre, ainda vai levar um bom tempo até que as mudanças ocorram – para ele, "junho ainda não acabou."
Segundo Marco Aurélio Nogueira, "do ponto de
vista político, não saímos do lugar". "O Parlamento ficou surdo, os
governos também. Não houve nenhuma mudança nas políticas públicas".
As manifestações, diz ele, "mudaram a dinâmica
do processo político brasileiro, mas não foram capazes de completar essa
mudança". Em outras palavras, após junho, as massas inegavelmente se
tornaram um importante ator político, mas ainda lhe faltam as
ferramentas para tirar suas bandeiras do papel.
Outro impacto das mobilizações, diz ele, foi a
abertura de um espaço – físico, mas também no noticiário e na política –
que, nos últimos meses, tem sido ocupado por sindicatos e movimentos
sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Atos desses
grupos, que em junho de 2013 estiveram em segundo plano, ganharam as
manchetes nos últimos meses em várias cidades do país.
Já para o escritor Julián Fuks, as mobilizações tiveram, sim, ganhos concretos.
Afinal, lembra ele, elas forçaram os governos a
reduzir as passagens de ônibus – fortalecendo a luta por um transporte
público de qualidade –, desnudaram a violência da Polícia Militar e
pressionaram as autoridades a reagir às ruas.
"Desestabilizamos, ainda que temporariamente,
algumas instituições sagradas, o futebol, a Fifa, a Copa, numa mostra
eloquente de como, de vez em quando, conseguimos superar também as
nossas veleidades."
Ainda assim, diz ele ao citar o filósofo
esloveno Slavoj Žižek, só depois que o entusiasmo se vai "é que começa a
verdadeira luta, é que as questões verdadeiras emergem". (BBC Brasil)
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