Por Raquel Sodré
Nas eleições de 2014, os brasileiros elegeram o Congresso mais conservador dos últimos 50 anos – ou seja, desde a Ditadura Militar.
A cereja desse bolo com gosto de comida vencida veio no início de
fevereiro de 2015, quando o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um dos
representantes da bancada evangélica, foi eleito presidente da Câmara
dos Deputados.
Nem 15 dias depois, ele já estava colocando as asinhas de fora: no
último dia 11, Cunha autorizou a criação de uma comissão para analisar o
Projeto de Lei 6583/2013,
carinhosamente apelidado de “Estatuto da Família”. Em seu segundo
parágrafo, o PL define “família” como a união entre um homem e uma
mulher (ou seja, nada de gays, nem lésbicas, nem pais e mães solteiros,
nem crianças criadas pela avó, nem… bem, você entendeu). Em tramitação
há quase dois anos, o texto ainda ganhou um adendo que pode dificultar
ainda mais a adoção de crianças por casais homossexuais.
O Brasil já teve outros Projetos de Lei ultraconservadores, e agora
está na hora de ficarmos de olho bem aberto para conseguirmos segurar o
forninho de uma democracia que seja, de fato, um governo para todos –
independente de credo, cor, raça, gênero ou orientação sexual. Veja
alguns PLs que parecem saídos diretamente da Idade Média, mas foram
propostos pra valer no Brasil.

O projeto de lei original é de 2005 e visava garantir o direito
integral ao nascituro – ou seja, bebê que ainda está dentro da barriga
da mãe. O projeto, dos deputados federais Luiz Carlos Bassuma (PEN-BA) e
o já falecido Miguel Martini, defendia que o aborto deveria ser
considerado crime hediondo, proibido em todos os casos (inclusive quando
fruto de estupro). O PL também proibia a pesquisa com células-tronco,
dentre outras coisas. Esse projeto foi arquivado em 2007, mas a batalha
ainda não está ganha. Um outro texto muito similar, o PL 478/2007,
está tramitando na Câmara dos Deputados. Ele já foi aprovado pela
Comissão de Finanças e Tributação. Agora, deverá passar pela Comissão de
Constituição e Justiça e pela Comissão de Cidadania. Depois, deve ser
apresentado e votada em plenário.
A luta pela descriminalização do aborto será longa, pois ainda há outros quatro PLs sobre o assunto a serem derrubados. O PL 7443/2006 determina a inclusão do procedimento entre os crimes hediondos. O PL 1545/2011 defende uma pena de seis a 20 anos para o médico que praticar o aborto fora das hipóteses previstas nas leis atuais. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 164/2012 garante a inviolabilidade do direito à vida “desde a concepção”. E, por fim, há o PL 5069,
de 2013, que considera crime contra a vida o anúncio de substância ou
objeto destinado à interrupção da gravidez. Também é considerado crime
contra a vida a orientação de gestantes para o procedimento, e a pena
prevista pelo PL é de até dez anos de prisão. Todos esses quatro
projetos foram criados e, agora, desarquivados pelo novo presidente da
Câmara.
2. Dia do Orgulho Hétero
É tão difícil ser hétero, cisgênero, branco, de classe média alta,
com diploma de ensino superior, ter cabelo liso e votar no PSDB…
Esse é mais um Projeto de Lei (1672/2011)
de autoria do próprio Eduardo Cunha. Ele institui nada mais do que a
comemoração do “Dia do Orgulho Heterossexual”, a ser celebrado no
terceiro domingo do mês de dezembro. Para quem não vê por que isso
poderia ser um retrocesso, uma breve explicação: nossa sociedade já é
heternormativa – ou seja, ela interpreta que ser heterossexual é a
norma. Nesse contexto, pessoas heterossexuais já contam com todos os
benefícios de um grupo majoritário, e não precisam lutar para
conquistarem nenhum direito relativo ao gênero ou à sua orientação
sexual. Podem se casar à vontade (com outras pessoas do sexo oposto
maiores de idade), podem adicionar o cônjuge no plano de saúde, por
exemplo. Por outro lado, um “Dia do Orgulho”, seja ele qual for, é uma
data ativista para lembrar a sociedade de que aquele determinado grupo
ainda está anos em desvantagem quando se trata de direitos humanos.
Portanto, um “dia do orgulho hétero” não faria nenhum sentido. Mas o
mais grave é o fato de que, reforçando a cultura heternormativa,
reforça-se, consequentemente, o preconceito contra pessoas com outras
orientações sexuais e/ou identidades de gênero (como bissexuais,
transexuais, transgêneros e assexuais, só para citar alguns). Esse
preconceito, a homofobia, é o responsável por centenas de mortes por ano
no Brasil. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência registrou
um aumento de 460% no número de denúncias do tipo entre 2011 e 2014. Só
ano passado, foram 6,5 mil.
3. Criminalização da heterofobia
- Sabe a Isabel do financeiro? Ouvi dizer que ela gosta de HOMENS! –
Sério? Bem que eu desconfiava. Esse mundo está perdido, mesmo…
Não, nem você leu o título errado, nem nós escrevemos errado. É isto mesmo: o Projeto de Lei 7382,
de 2010, prevê que seja interpretado como crime a discriminação contra
heterossexuais (!!!). Agora, veja bem: no ano passado, 218 pessoas foram
assassinadas por serem gays ou lésbicas em nosso país. O Brasil, aliás,
é campeão mundial em número de assassinatos de homossexuais – e olha
que estamos competindo com países ultraconservadores, como Afeganistão,
Indonésia e Singapura. Por outro lado, NENHUMA foi assassinada pelo
simples fato de ser heterossexual. Agora, durma com o barulho de uma lei
que propõe criminalizar a “heterofobia” (enquanto isso, o PL 122/2006,
que pretende equiparar a homofobia ao crime de racismo, foi arquivada
em janeiro deste ano pelo Senado, depois de oito anos em tramitação).
4. Terras indígenas
Os retrocessos em termos de direitos humanos não ficaram somente no
âmbito dos relacionados ao gênero ou à orientação sexual. Os indígenas,
outra minoria brasileira amplamente negligenciada, também estão sendo
(ainda mais) ameaçados. Está em tramitação a PEC 215,
proposta no ano 2000, que pretende mudar de forma radical o modo como
as terras indígenas são demarcadas no país. Se aprovada, a PEC tirará
das mãos da Funai (Fundação Nacional do Índio) o poder de pedir ao poder
Executivo a demarcação das terras. Essa decisão passaria a ser tomada
pelo Congresso – que, surpresa, está infestado por deputados da bancada
ruralista que defendem os interesses dos grandes proprietários de terras
e do agronegócio. A medida também afetaria as comunidades quilombolas
do país e, segundo representantes dos grupos minoritários, seria a
responsável pelo extermínio dessas populações.
5. Criacionismo nas escolas
Um dos mais famosos parlamentares conservadores do Brasil, o deputado
Marco Feliciano (PSC-SP) também tem sua cota de Projetos de Lei
absurdamente conservadores. Um deles, o PL 8099/2014,
quer obrigar todas as escolas brasileiras (tanto as públicas como as
privadas) a incluírem, em sua grade curricular, aulas sobre o a teoria
do Criacionismo. Assim, as crianças passariam a aprender como Deus criou
o mundo em seis dias e descansou no sétimo. O PL 8099 está tramitando
apensado ao PL 309/2011,
que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas do
país. Vale lembrar: o problema não é o ensino religioso e nem mesmo
qualquer outra forma de expressão de religiosidade no país. O que pega é
a obrigatoriedade desses conteúdos no currículo.
6. Lei Antiterrorismo
O Projeto de Lei 499
surgiu em 2013 – não coincidentemente, depois da onda de protestos
daquele ano. Segundo o texto do PL, será considerada “atos de
terrorismo” qualquer conduta que “provocar ou infundir pânico
generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à
integridade física ou à saúde ou à privação de liberdade de pessoa”. Com
uma descrição tão ampla, bastaria um piscar de olhos para que
movimentos sociais e até grupos de oposição política sejam subitamente
considerados terroristas. Se formos seguir a definição do PL, uma
ocupação de terras pelo MST poderia ser considerada terrorista, por
exemplo. Pessoas que se recusam a sair de casas ocupadas no Centro de
São Paulo também. Esse retrocesso na luta por direitos sociais que está
tramitando no Senado.
Fonte: http://super.abril.com.br/
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