Boa parte do que
você ouve sobre alimentação é lenda. Desvende os equívocos mais comuns – e
saiba o que a ciência realmente tem a dizer sobre cada um deles
1. O agrotóxico está envenenando você
No século 15,
o médico suíço Paracelso cunhou uma das frases mais famosas do mundo
científico: sola dosis facit venenum, ou “a dose faz o veneno”. Ele
queria dizer que tudo pode ser venenoso ou não, dependendo da dose. Até algo
tão inofensivo quanto a água pode fazer mal (se ingerida em grande quantidade,
mais de 6 litros em três horas, causa a chamada intoxicação hídrica, que pode
levar à morte). Da mesma forma, até algo tão venenoso quanto os agrotóxicos
pode ser inofensivo. Tudo depende da dose.
Existe um
limite dentro do qual os agrotóxicos podem ser utilizados com segurança, sem
causar riscos à saúde. Ele se chama Ingestão Diária Aceitável (IDA), que
calcula quanto agrotóxico um ser humano pode ingerir, todos os dias e durante
toda a vida, sem apresentar problemas de saúde. Esse conceito é baseado em
testes realizados com cobaias de laboratório – e utilizado pelos governos de
todos os países, inclusive o do Brasil, para definir o nível máximo de resíduos
de agrotóxicos que os alimentos podem ter. O limite varia conforme a toxidade
de cada produto, mas geralmente é de 0,01 mg a 0,5 mg a cada quilo de comida.
A Anvisa
fiscaliza isso, num estudo chamado PARA: Programa de Análise de Resíduos em Alimentos.
Em sua última edição, ele analisou 12 mil amostras, coletadas em todo o Brasil.
Mais de 80% foram consideradas seguras. Metade delas não tinha nenhum resíduo
de agrotóxico. A outra metade tinha, mas dentro do nível permitido. Alguns
alimentos, como arroz, feijão e banana, superam 90% de amostras seguras. E o
estudo analisa os alimentos brutos, ou seja, com casca e sem lavar. Tomando
esses dois cuidados, é possível reduzir significativamente (ainda que não
totalmente) os resíduos de agrotóxicos.
O risco é
maior em alimentos como morango, uva, abobrinha e pimentão. Este último
apresentou apenas 11% de amostras aceitáveis, ou seja, nove de cada dez
pimentões vendidos no País apresentam excesso de agrotóxico, ou contêm tipos de
agrotóxico que não são permitidos. É um problema grave – e pode, sim, ser
perigoso.
Nos Estados Unidos, 99,6% das verduras estão dentro
das normas de segurança. Ou seja, o Brasil tem muito o que melhorar. Mas você
não precisa se descabelar, nem achar que está morrendo, só porque consome
verduras e legumes cultivados com o uso de agrotóxicos. Evite os alimentos mais
contaminados, coma orgânicos sempre que puder, e siga sua vida.
O maior
perigo dos agrotóxicos é para o agricultor, que tem contato próximo com grandes
quantidades desses produtos. Um estudo da Universidade Federal de São Carlos
revelou que 40% dos lavradores não utilizam todos os equipamentos de proteção
necessários. “Eles sofrem intoxicação crônica”, afirma Rosany Bochner,
coordenadora do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas
(Sinitox). O noroeste gaúcho, região do Brasil onde mais se usa agrotóxico,
também é a com maiores taxas de câncer – por conta, justamente, da incidência
dessa doença entre os agricultores.
Se é assim,
não seria melhor abrir mão de tudo, e plantar só orgânicos? Seria. Mas há um
obstáculo econômico: as lavouras orgânicas, em média, rendem menos alimentos.
Uma análise
feita pelo biólogo Steve Savage comparou a produtividade de 370 plantações
tradicionais e orgânicas nos EUA. Em 55 casos, as lavouras orgânicas conseguiam
ser mais produtivas. Nos outros 315, a plantação tradicional apresentava maior
rendimento por hectare (com a vantagem chegando a 84%). “Hoje é impossível na
agricultura extensiva, com a quantidade de alimentos que precisamos produzir,
não utilizar os defensivos agrícolas”, diz Pedro Christofoletti, professor da
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP.
Os vegetais mais e menos contaminados
Se
usados conforme os limites definidos em lei, os agrotóxicos são seguros. O
problema é que nem sempre eles são obedecidos.
Total de
amostras analisadas: 12.051
Total de amostras dentro do padrão: 9.680
Porcentagem de alimentos seguros: 80,3%
Total de amostras dentro do padrão: 9.680
Porcentagem de alimentos seguros: 80,3%
Fontes: Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em
Alimentos – Resultados de 2013 a 2015. Anvisa; 2015 Annual Pesticide Data Program
Summary, United States Department of Agriculture.
2. O ideal é comer de 3 em 3 horas
Os defensores
dessa prática alegam que ela acelera o metabolismo, fazendo o corpo queimar
mais calorias, o que ajuda a emagrecer. Infelizmente, não há um consenso
científico a respeito. Para cada estudo mostrando que funciona, há outro
apontando que não . Na prática, o que mais influi é o que você come a cada
três horas, ou seja, a soma total de calorias. Isso não quer dizer que os
horários das refeições não importem nada. Eles podem fazer diferença.
Numa
experiência recém-realizada pela Universidade do Alabama, 11 homens e mulheres
obesos adotaram dois padrões alimentares. Primeiro, eles passaram quatro dias
podendo se alimentar das 8h às 20h. Depois, adotaram um regime mais restritivo,
em que só podiam comer das 8h às 14h. Em ambos os períodos, a quantidade de
calorias consumida foi exatamente a mesma. Apesar disso, os voluntários
queimaram mais gordura quando estavam sob restrição de horário, ou seja, quando
passavam 18 horas por dia sem se alimentar (uma prática desagradável e
desaconselhável, que eles só toparam em prol da ciência). Foi um teste pequeno,
com poucos voluntários, e ainda nem publicado na forma de estudo. Mas confirma
efeitos similares que haviam sido observados em ratos – e sugere que ainda há
muito a ser descoberto sobre o metabolismo humano.
Você já deve
ter ouvido dizer que comer à noite engorda mais. Há indícios sugerindo que isso
pode, sim, acontecer. Mas não pelo que se imagina. Foi o que mostrou um
surpreendente estudo da Universidade Northwestern, em que dois grupos de
camundongos tiveram sua alimentação alterada.
O primeiro
grupo só podia comer durante a noite, período em que os ratos normalmente ficam
acordados. O outro só podia se alimentar de dia, quando os ratos normalmente
dormem. Ambos receberam a mesma quantidade de calorias. Depois de um mês e
meio, os cientistas pesaram todos os ratinhos. Os que só comiam no período
“errado”, ou seja o de descanso, ficaram com peso corporal 23% maior que os
outros. Isso indica uma relação entre o relógio biológico e a digestão dos
alimentos. Mas os ratinhos não engordaram por causa de diferenças na
metabolização da comida – e sim porque foram privados de sono, o que
comprovadamente leva ao ganho de peso.
Fontes: International Society of Sports Nutrition
position stand: meal frequency. Paul La Bounty e outros, 2011; Circadian
Timing of Food Intake Contributes to Weight Gain. Deanna M. Arble e outros, 2009.
3. Orgânico é mais nutritivo
Não é, não.
Foi o que concluíram cientistas da Universidade Stanford depois de analisar
240 estudos comparando o valor nutricional dos alimentos normais e das versões
orgânicas, produzidas sem o uso de agrotóxicos e antibióticos. A exceção foi o
leite orgânico, que tinha mais ômega-3, mas isso porque as vacas foram
alimentadas com um tipo de pasto que era mais rico nesse nutriente (ou seja,
não há uma relação direta com a ausência de agrotóxicos e antibióticos).
Tirando isso, os níveis de nutrientes eram sempre similares. Isso não
significa, claro, que a comida orgânica não tenha suas vantagens: ela é mais
segura para a saúde, e pode ser mais gostosa também. Isso acontece porque os
vegetais orgânicos costumam ser menores, e por isso tendem a ter o sabor mais
concentrado.
Fonte: Are organic foods safer or healthier
than conventional alternatives? A systematic
review. Crystal Smith-Spangler e outros, 2012.
4. Você deveria cortar glúten e lactose
O homem é o
único animal que continua consumindo leite mesmo depois de adulto. É isso o que
os inimigos do líquido branco costumam dizer, e é uma falácia (o homem é o
único animal a fazer muitas coisas, e nem por isso elas são prejudiciais à
saúde). Desde que começamos a domesticar animais, o leite sempre esteve entre
os alimentos mais importantes, porque é rico em energia e nutrientes essenciais
– 70% do cálcio presente na dieta de um adulto médio vem do leite e de seus
derivados.
A responsável
pela transformação do leite em suposto vilão tem nome: lactose, um açúcar
presente no leite. O corpo humano produz uma enzima, a lactase, só para
digeri-lo. Algumas pessoas não conseguem fabricar lactase suficiente. Se
consumirem leite, ou algum derivado, podem ter cólica, inchaço abdominal e
diarreia. É a chamada intolerância à lactose. Mas esses sintomas só aparecem em
casos extremos. Em 75% das pessoas, a produção de lactase cai durante a vida,
mas isso raramente cria problemas.
“Existem
vários níveis de intolerância”, explica Adriane Antunes, professora de nutrição
da Unicamp. Se você consome leite e laticínios, e não sente nada de ruim, pode
continuar tranquilo. Eles não estão lhe fazendo nenhum mal.
Intolerância
à lactose não é doença, é só uma deficiência do organismo. Já com outra
polêmica da alimentação, o glúten, é diferente. A alergia ao glúten é uma
doença: a doença celíaca. “Nesse caso, a ingestão de glúten causa uma reação
imunológica, e o corpo acaba destruindo as glândulas do próprio intestino”,
explica o gastroenterologista Flávio Steinwurz, do Hospital Albert Einstein.
Mas apenas 1% a 2% da população é alérgica ao glúten, proteína presente em
muitos cereais, especialmente no trigo. Se você não está entre elas, não tem o
que se preocupar com o glúten – que costuma levar a culpa por coisas que nem
fez. “Se você comer muito carboidrato, vai se sentir mais pesado, ter mais
gases”, diz Steinwurz. “Mas isso não significa que [o responsável] seja
o glúten. Se você comer muita batata, vai ocorrer o mesmo problema.” Pode comer
glúten numa boa, com uma ressalva: se estiver querendo emagrecer, dê uma maneirada.
Um estudo feito em 2012 pela UFMG constatou que a ingestão de glúten
atrapalhava a perda de peso em ratos.
Fonte: Gluten-free diet reduces adiposity,
inflammation and insulin resistance. Fabíola
Lacerda e outros, 2012.
5. O frango é cheio de hormônios
72% dos
brasileiros acreditam nisso, segundo pesquisa da Associação Brasileira de
Proteína Animal (ABPA). Estão todos enganados. O frango não recebe hormônios
durante sua criação. Primeiro porque isso é proibido, por lei, desde 2004.
Segundo, porque não faria sentido comercial – o produtor gastaria mais
dinheiro, comprando e aplicando o hormônio, do que lucraria gerando frangos
maiores. “O ciclo do frango, hoje, é muito curto. Em menos de 40 dias de vida,
já temos animais próximos dos 3 quilos”, explica o zootecnista Gérson
Scheuermann, da Embrapa. O grande porém da carne de frango é outro: o
antibiótico. As aves (como os bois e os porcos) recebem pequenas doses de
antibiótico, misturadas à ração, para que cresçam mais rápido e sem doenças.
Como no caso dos agrotóxicos, há regras e limites para isso. Em 2014, o
Ministério da Agricultura analisou 10.092 amostras de carne de frango, porco e
boi. 99,4% delas estavam dentro das normas de segurança. Mas isso não significa
que os antibióticos sejam inofensivos. Seu uso na criação de animais pode
estimular o surgimento de bactérias super-resistentes, e levar a epidemias
em humanos – tanto que o governo dos EUA vem tentando coibir seu uso.
Fonte: Resultados do Plano Nacional de Controle de
Resíduos e Contaminantes – PNCRC. Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, 2014.
6. Você tem que tomar 8 copos de água por dia
É um grande
mal-entendido. Tudo começou em 1945, quando o Food and Nutrition Board, um
órgão do governo dos EUA, divulgou um artigo com a seguinte recomendação: os
adultos devem ingerir 2,5 litros de água por dia.
O número se
espalhou pelos quatro cantos do planeta, e virou uma regra alimentar universal.
Só que o mesmo artigo também dizia outra coisa, e que todo mundo ignorou:
“Parte dessa quantidade (2,5 litros) está contida nos alimentos”.
Está mesmo. E
não só nos alimentos mais perceptivelmente “aguados”, como a melancia (que
contém 90% de água), o tomate e o pepino (95%). O arroz com feijão do dia a dia
contém, em média, 65% de água. O bife é mais de 60% água – o pão, 40%. Se você
comer 1 kg de comida por dia, já estará ingerindo 500 a 700 ml de água.
Outra coisa:
a recomendação de consumir 2,5 litros não leva em conta as características como
peso, idade, gênero e hábitos diários. Na prática, isso varia para cada pessoa.
Como saber quanto tomar, então? Ouça o seu corpo – e o mecanismo automático
chamado sede. Beba muita água. Ela é gostosa e imprescindível à vida. Mas não
precisa se forçar a engolir oito copos por dia. Inclusive pelo seguinte: sabe
aquela história de que tomar um montão de água deixa a pele mais bonita? Não tem qualquer comprovação
científica.
Fonte: Nutrition and water: drinking eight
glasses of water a day ensures proper skin hydration-myth or reality? R. Wolf e outros, Hebrew University, Jerusalem. 2010.
7. Toda bebida alcoólica engorda
Álcool é uma
coisa muito, mas muito calórica. Um dedinho de álcool puro, 40 mililitros (1/5
de um copo americano) tem 220 Kcal, o equivalente a nove colheradas de arroz
com feijão. Ocorre que o álcool nunca é consumido puro – inclusive porque isso
seria tóxico –, e sim na forma de bebidas: cerveja, vinho, uísque, vodca, que
têm outros ingredientes além do etanol. E isso faz toda a diferença.
Nós dois
vamos a um bar. Você pede uma cerveja long neck; eu, uma dose de uísque. Quando
cada um terminar, ambos estaremos alegrinhos, pois ingerimos aproximadamente a
mesma quantidade de etanol: 15 ml. Mas a nossa ingestão de calorias foi
completamente diferente. Você consumiu 130 a 150 Kcal, dependendo da cerveja.
Mais do que eu, que só ingeri 100 Kcal.
Isso acontece
porque as bebidas destiladas, como uísque, cachaça e vodca, são veículos mais
“eficientes” para o álcool: mais de 95% de suas calorias vêm do etanol. Já na
cerveja, apenas 60% a 65%.
Mas a melhor
opção, para quem quer beber sem engordar nem prejudicar a saúde não são os
destilados. É o vinho tinto seco. Durante o processo de fermentação dele, quase
todo o açúcar presente no suco de uva vira etanol – até 80% das calorias do
vinho tinto seco vêm do álcool. Por isso, uma dose dele (taça de 125 ml) possui
apenas 100 Kcal.
O vinho
também tem resveratrol, uma substância que faz bem à saúde. “Uma ou duas taças
de vinho tinto contêm uma quantidade de resveratrol que age como
anticancerígeno, protetor do coração e contribui para a diminuição do
colesterol ruim”, afirma o toxicologista Anthony Wong, do Hospital das
Clínicas.
Só não vale
exagerar. A Organização Mundial da Saúde recomenda que homens ingiram no máximo
duas doses de bebida por dia (mulheres, uma). Esses níveis não são cumulativos.
“Não adianta deixar tudo para o fim de semana”, diz Isabela Pimentel Mota,
diretora de nutrição da Socesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São
Paulo). “O fígado não consegue administrar a sobrecarga”, explica.
8. Transgênicos causam câncer
A descoberta
era bombástica. Um estudo do francês Gilles-Eric Séralini, biólogo da
Universidade de Caen, na França, concluíra que ratos alimentados com o milho
transgênico NK603 tinham mais câncer. A notícia correu o mundo em 2012. Só
tinha um problema. Era furada.
Séralini
havia usado ratos da raça Sprague-Dawley, que é especialmente predisposta a ter
câncer: 60% a 80% deles, comendo o que for, sempre acabam apresentando algum
tipo de tumor. Só isso já melaria as conclusões do estudo. Mas não parava aí. O
francês usou um número bem pequeno de cobaias, cinco a seis vezes menos do
empregado em estudos do tipo, e omitiu dados sobre os ratos de controle, ou
seja, aqueles que comeram milho comum. O estudo recebeu críticas de todos os
lados, e acabou sendo retratado (oficialmente desautorizado) pelo próprio
jornal científico que o publicara. Mais de dez estudos tentaram replicar os
resultados de Séralini, sem sucesso. Motivo:
o DNA dos alimentos transgênicos é destruído pelo estômago. Ou seja, eles são
digeridos como qualquer outro alimento.
O milho
NK603, lançado pela Monsanto em 2000, foi geneticamente modificado para
resistir ao glifosato, um herbicida. Ele produz uma enzima que o torna imune à
ação do glifosato – por isso, é possível aplicar esse produto nas lavouras. É o
mesmo caso da soja transgênica (GTS 40-3-2), também criada para permitir o uso
de glifosato. “Ele simplificou muito a vida dos produtores”, explica Pedro
Christofoletti, professor da Esalq. Como os demais agrotóxicos, possui normas e
limites de uso que, se observados, preservam a segurança dos alimentos. Mas não
é uma panaceia. Há estudos mostrando que, dependendo do manuseio, o glifosato
pode ser perigoso para o agricultor – e, em 2011, surgiram as primeiras pragas
capazes de resistir a ele. Outro problema é que o milho e a soja desses tipos
acabaram causando aumento no uso de agrotóxicos, o que sempre pode ser
problemático.
Mas nem todo
transgênico leva a isso. O milho transgênico BT contém genes de uma bactéria, a
Bacillus thurgiensis, e por isso produz uma toxina que combate os
insetos – mas é inofensiva para humanos e outros animais. Por isso, ele pode
ser cultivado com bem menos agrotóxico: nos últimos 16 anos, as lavouras BT
reduziram em 56 mil toneladas o uso de pesticidas nos EUA. O problema é que
também já surgiram insetos imunes à tal toxina. O calcanhar de aquiles dos
transgênicos talvez seja justamente esse: sua inevitável perda de eficiência.
Fonte: Retratação oficial, com descrição dos erros
cometidos e cópia do estudo original. Acesse aqui
9. Você não deve comer fritura. Nunca
Pense numa
batatinha frita. Ela é gostosa porque é, mas também por uma questão evolutiva:
é rica em carboidratos, gordura e sal, três elementos vitais para o
funcionamento do organismo. Nosso paladar se desenvolveu, ao longo dos tempos,
para detectar (e desejar) essas coisas – e um dia algum abençoado inventou o
jeito perfeito de misturar todas. O problema é que fritura em excesso faz mal,
causa problemas cardiovasculares e diabetes. Todo mundo sabe disso. O que pouca
gente sabe é que também dá para comer frituras sem medo.
Em 2014, a
Universidade Harvard publicou os resultados de um estudo gigantesco, que
acompanhou 110 mil americanos saudáveis (70 mil mulheres e 40 mil homens) ao
longo de 25 anos. Os dados mostraram uma relação inequívoca entre consumo de
frituras e problemas de saúde. Mas também revelaram algo surpreendente. Entre
as pessoas que mantinham seu colesterol, pressão sanguínea e peso sob controle,
o consumo de frituras 1 a 3 vezes por semana provocava bem pouco efeito:
elevava o risco de doenças cardiovasculares em apenas 3% (diabetes, em 6%). Ou
seja, aumentos bem pequenos – e que são ainda menores do que parecem.
É que os
estudos científicos sempre falam em risco relativo, ou seja, que se sobrepõe ao
risco natural. Talvez você se lembre de uma pesquisa, divulgada pela
Organização Mundial da Saúde em 2015, dizendo que comer carne aumenta o risco
de câncer. Ela foi manchete no mundo inteiro, e dizia que a cada 100 gramas de
carne vermelha, ou 50 gramas de carne processada (salame, etc.) consumidos por
dia, o risco de uma pessoa desenvolver câncer de cólon aumentava 18%.
Só que esse
aumento não é absoluto; é relativo. A incidência natural de câncer de cólon é
de 4,5% da população. Isso significa que, de cada 100 pessoas, 4 a 5 terão essa
doença. Já se todas comerem carne, todo dia, o risco aumenta 18% – e a
incidência total, aqui está o pulo do gato, passa a ser de 5,3%. Ou seja: de
cada 100 carnívoros, 5 a 6 terão a doença. Percebe como é muito menos do que
parece? Tanto que um dos autores do estudo, o australiano Bernard Stewart,
disse que iria continuar a comer carne. “Eu gosto de presunto, salame e bacon.
E também como bife de vez em quando”, declarou na época. A recomendação não é
parar de comer carne: é reduzir seu consumo. “Não precisa deixar de comer
salame, mas coma com prudência [inclusive porque ele tem muito sódio]”,
afirma o médico Carlos Augusto Martinez, da Sociedade Brasileira de
Coloproctologia. Tudo é uma questão de quantidade. “Em excesso, até a água pode
ser um veneno”, lembra ele. Pode mesmo.
Fontes: Fried-food consumption and risk of
type 2 diabetes and coronary artery disease. Leah Cahill e outros, 2014; Carcinogenicity
of consumption of red and processed meat. Véronique Bouvard e outros,
International Agency for Research on Cancer, 2015.
10. Peixe é sempre mais saudável
Peixe tem
menos colesterol e mais substâncias benéficas, como ômega-3. Sem contar que é
uma delícia. Mas nem todo peixe deve ser consumido indiscriminadamente. Vale a
pena maneirar no atum, cuja carne é conhecida por conter altos níveis de
mercúrio. Tudo começa quando o mercúrio, proveniente de lixo industrial, acaba
indo parar nos oceanos. Os peixes menores ingerem um pouquinho dele. Os peixes
maiores também – só que eles também comem os peixes pequenos, o que aumenta sua
ingestão de mercúrio. Esse processo se repete várias vezes até chegar ao atum,
que está quase no topo da cadeia alimentar, e por isso contém altos níveis do
metal pesado. “Ele é particularmente tóxico para o cérebro”, explica o médico
Philippe Grandjean, professor da Universidade Harvard e autor de vários estudos
a respeito.
O governo dos
EUA recomenda que grávidas e crianças comam no máximo 170 gramas (uma latinha)
de atum por semana – mas não estabelece um limite de consumo para adultos.
Grandjean é bem mais radical. Ele diz que a ingestão máxima de atum, para todo
mundo, deveria ser uma latinha por mês. A saída é variar: incluir na
alimentação também peixes como sardinha, salmão e tilápia, que apresentam
baixos níveis de mercúrio.
11. Soja causa impotência
Ela é barata,
nutritiva e gostosa. E está presente em grande parte dos alimentos
industrializados – porque tem duas substâncias, a lecitina e a isoflavona, que
ajudam a estabilizar a mistura de ingredientes. “Elas são encontradas em bolos,
biscoitos, pães, sorvetes. Seu uso é generalizado na indústria da alimentação”,
explica a pesquisadora Vera Benassi, da Embrapa. Mas a soja também tem um lado
polêmico.
É que a
isoflavona, quando absorvida pelo organismo, age de forma similar a um hormônio
feminino: o estrogênio. Em tese, ela poderia interferir com o sistema endócrino
dos homens, causando infertilidade e queda da libido. Porém, a Universidade de
Minnesota analisou 32 estudos sobre isso e não encontrou nenhuma relação. “A
atividade estrogênica desses compostos é extremamente baixa, cerca de mil vezes
menor que o beta estradiol, principal hormônio sexual feminino”, diz Maria Ines
Genovese, professora de nutrição da USP. Homens e mulheres podem consumir soja
sem problemas. Com uma possível exceção: grávidas. Numa experiência feita pelo
governo dos EUA, ratinhas de laboratório alimentadas com soja todos os dias
deram à luz fetos menores e com pequenas lesões nos rins.
Fontes: Clinical studies show no effects of
soy protein or isoflavones on reproductive hormones in men: results of a
meta-analysis. JM Hamilton-Reeves e outros, 2010; Multigenerational
reproductive study of genistein in Spague-Dawley rats. National Toxicology Program, 2008.
12. Glutamato monossódico é veneno
Leia o rótulo
de qualquer alimento industrializado, e o glutamato monossódico provavelmente
estará lá. Ele é muito usado como “realçador de sabor”, porque é rico em umami:
um dos cinco gostos básicos que nossa língua consegue identificar (os outros
são salgado, doce, amargo e ácido). O umami está naturalmente presente em
alimentos como carne, queijo e tomate – ricos num aminoácido chamado glutamato.
Um adulto consome em média 13 g de glutamato natural, contido nos alimentos,
por dia.
Em 1908, o
químico japonês Kikunae Ikeda isolou o glutamato e o misturou com sódio, para
estabilizá-lo. Um ano mais tarde, nascia o glutamato monossódico. No Brasil,
ele é produzido pela fermentação da cana-de-açúcar (e, além de estar presente
na comida industrializada, também é comercializado como tempero, o Ajinomoto).
A polêmica em torno do produto surgiu na década de 1960, quando o pesquisador
americano John W. Olney, da Universidade de Washington, passou mal depois de
comer comida asiática. Ele colocou a culpa no glutamato, e o problema ganhou
até nome: “síndrome do restaurante chinês”.
De lá para
cá, foram feitas diversas pesquisas para investigar os supostos efeitos
adversos do glutamato (como sudorese, asma, urticária e rinite). “Nenhum estudo
provou a correlação entre o glutamato e essas reações”, diz a nutricionista
Carla Piovesan, da PUC-RS. Pelo contrário. O maior estudo já feito a respeito,
que uniu 130 voluntários e cientistas de três universidades americanas
(Harvard, Northwestern e UCLA), também não encontrou nada contra a substância.
Isso não significa que você deva sair se entupindo
de glutamato. “Como não temos muito clara a quantidade segura de ingestão, eu
não recomendaria o consumo todo dia”, afirma Piovesan. Mas também não precisa
evitá-lo como se fosse um veneno. “Pontualmente, não há indícios de que ele
seja prejudicial à saúde.”
Fontes: Questions and Answers on MSG. US
Food and Drug Administration (FDA), 2012; Review of alleged reaction to
monosodium glutamate and outcome of a multicenter double-blind
placebo-controlled study. RS Geha e outros, 2000.
Bruno Garattoni e Robson Pandolfi
Colaboração Luiza Guerim
Produção Cintia Sanchez
Produção Cintia Sanchez
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