Um parceiro
conhece o outro, eles se cortejam e procriam. Mas por que temos apenas dois
sexos na natureza? E para que exatamente eles existem?
Esse, que é um
dos maiores mistérios da biologia, foi o tema de uma investigação do
geneticista Adam Rutherford e da matemática Hannah Fry, apresentadores do
programa The Curious Cases of Rutheford and Fry, da BBC Radio 4.
E, analisando o
intrincado e curioso mundo da sexualidade animal, eles descobriram que nem
sempre são necessários dois parceiros para se gerar descendentes.
Autonomia sexual
Alguns animais
podem se reproduzir sem necessidade de formar um casal e acasalar, como é o
caso das minúsculas criaturas chamadas Bdelloidea, uma classe de
rotíferos que vive em qualquer lugar onde haja água e que só pode ser vista com
microscópios.
Essa espécie
não tem machos, e as fêmeas se encarregam da reprodução com suas próprias
células sexuais não fecundadas.
Há também o
caso de Ganas, um dragão de Komodo que é uma das principais atrações do
Zoológico de Londres.
"Ele não
tem pai, foi gerado só por uma mãe", explica Chris Michaels, herpetólogo
do zoo. A mãe de Ganas o concebeu de forma espontânea.
Esse processo é
conhecido como parentogênese, ou literalmente: um "parto virginal". É
algo que ocorre muito raramente e só produz crias masculinas.
Os dragões de
Komodo estão entre os poucos vertebrados que podem chegar a se reproduzir
através da parentogênse.
Uma perspectiva matemática
E isso vale a
pena, no sentido evolutivo? Sob essa ótica, qual seria o modelo de procriar
mais "eficiente"? A partir dos anos 1970, essas perguntas
relacionadas ao sexo ganharam uma abordagem matemática, diz Fry.
"O grande
geneticista e biólogo britânico John Maynard-Smith aplicou a Teoria dos Jogos à
evolução e concluiu que a existência dos homens simplesmente não faz sentido.
Procriar homens provoca o desperdício de 50% dos recursos de uma criatura viva,
porque (a maioria delas) não consegue produzir descendentes (por si só)",
explica.
A geneticista
Aoife McLysaght, especialista nessa questão pelo Trinity College (Irlanda),
argumenta que, embora haja tantos organismos que praticam sexo e se reproduzam,
o relacionamento sexual é um dos grandes enigmas da biologia e da evolução.
"Em termos
evolucionistas, a forma de ser bem-sucedido é passar seus genes a outras
gerações. Quando pensamos em reprodução sexual, o que estamos fazendo é passando
a metade de nossos genes a nossos filhos, que terão a outra metade composta de
genes de outra pessoa. É um grande esforço, e (ainda assim) parecia algo
ineficiente", diz McLysaght.
Ainda não há
uma resposta conclusiva para isso, mas sim algumas pistas, diz Rutherford. Para
entendê-las, precisamos conhecer melhor a reprodução assexuada, ou sem sexo.
O que nos ensina um pequeno organismo
Chris Wilson,
pesquisador do Imperial College, no Reino Unido, é um especialista em criaturas
diminutas como a Bdelloidea.
Em sua
reprodução assexuada, elas criam "filhotes" femininas que são cópias
exatas de si mesmas.
"Isso é
duplamente mais eficiente do que produzir machos e fêmeas, porque você dispensa
o gasto energético depositado na geração de machos e tem uma taxa de 100% (de
eficiência) no uso da energia para criar fêmeas, que por sua vez botarão mais
ovos. Assim, quando toda a população é capaz de botar ovos, ela é mais
eficiente do que quando gera machos incapazes de fazê-lo", explica Wilson
à BBC.
Mas essas
criaturas assexuadas têm suas próprias ineficiências com as quais lidar quando
se trata de crescer e se reproduzir, diz o especialista.
Como não há mistura genética na procriação,
"todos (os membros da comunidade de Bdelloidea) têm as mesmas
vulnerabilidades, sobretudo quanto a doenças", explica Wilson.
"Se um
espécime é infectado por um fungo, por exemplo, facilmente vai transmitir isso
a todas as suas filhas, irmãs e parentes fêmeas porque todas são geneticamente
iguais. Formam-se epidemias muito rapidamente e estas podem afetar a todos os
rotíferos dessa combinação genética."
Eis então um
problema fundamental da reprodução assexuada: a menor variedade genética acaba
sendo um calcanhar de Aquiles.
No caso desses
rotíferos, uma forma de driblar isso é pela desidratação total. "Quando a
população (de Bdelloidea) fica totalmente afetada por fungos, consegue
perder toda a água de seu corpo (...) e mover-se para uma nova área hidratada e
voltar à vida - e o fungo não consegue segui-la", diz Wilson.
Os cerca de 50
milhões de anos de existência das Bdelloidea mostram que essa tática tem
funcionado para elas, mas a maioria das criaturas assexuadas são relativamente
mais recentes e não duram muito, adverte Rutheford. O motivo disso? Justamente
sua vulnerabilidade a doenças.
A vantagem de ter dois sexos
É neste ponto
que começamos a entender os benefícios biológicos da existência do sexo
masculino.
Se você pudesse
se clonar neste exato momento, teria uma população resultante geneticamente
idêntica a você, diz McLysaght.
"Todos os
membros (dessa população) são igualmente fortes mas também igualmente frágeis.
Qualquer debilidade que um tenha, os demais também a terão."
"Algo que já sabemos sobre a forma como o DNA
muda é que cada um de nós temos cerca de 60 mutações (genéticas) totalmente
novas, que não foram herdadas de nossos pais. (...) Quando falamos de
reprodução sexual, falamos de combinar o DNA de dois indivíduos diferentes.
Como não se trata de 100% de DNA (de nenhum deles), há a probabilidade de unir dois
genes bons e até mesmo gerar melhoras em relação ao passado e deixar males
(genéticos) de fora dessa combinação", agrega a cientista.
Sendo assim, unindo genes tendemos a nos tornar
mais resistentes a parasitas e doenças e aumentamos a probabilidade de melhorar
nossa genética.
Por que há dois, e não três sexos?
No mundo
animal, há espécies que têm simultaneamente partes do corpo masculinas e
femininas, como vermes, lesmas, estrelas-do-mar e mais de 20 famílias de
pequenos peixes. Trata-se do hermafroditismo, que permite a geração de gametos
masculinos e femininos.
Há, ainda, o
caso de fungos, por exemplo, que têm dificuldades em encontrar pares
compatíveis para acasalar. E os biólogos descobriram que eles aumentaram o
número de seus sexos (que os especialistas chamam de "tipos de
acasalamento", sem a associação típica que fazemos com fêmeas e machos)
para a casa das centenas, de forma a elevar a chance de se reproduzir e
propagar seus genes.
Mas esse é um
caso único, o que leva à pergunta: por que na maioria avassaladora da natureza
não temos mais de dois sexos?
Quem responde é Wilson.
"O
problema é que, como já existem dois sexos, é muito difícil para um terceiro
sexo aparecer e prosperar. Se surgisse um sexo intermediário, com quem ele iria
acasalar? Já há machos e fêmeas, cada um com seus mecanismos específicos de
adaptação para maximizar seu sucesso (na relação) com o outro. Havendo um
terceiro sexo, ele teria dificuldades em encontrar parceiros", diz o
pesquisador do Imperial College.
E uma das
razões pelas quais nós humanos e outros animais complexos gravitamos para a
dualidade dos sexos é a dimensão complementar dos nossos gametos, ou células
reprodutivas - os óvulos (que são as maiores células humanas) e os
espermatozoides (as menores), prossegue Wilson.
O esperma e o
óvulo proporcionam diferentes imperativos biológicos para os machos e as
fêmeas: os espermatozoides são rápidos e pequenos, enquanto os óvulos são
grandes e estáveis. "São como chave e cadeado, não requerem peças
adicionais", agrega Rutheford.
Ou seja, não
sabemos ao certo por que evoluímos para termos dois sexos, mas, uma vez que
essa evolução ocorreu, ficou muito difícil sobrar espaço para terceiros sexos.
(BBCBrasil)
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