A transição da
economia mundial para um modelo mais verde e sustentável deverá criar 24
milhões de empregos, se países adotarem as políticas certas. É o que aponta um
relatório da Organização Internacional do Trabalho, OIT, divulgado nesta
segunda-feira. No Brasil, a diferença entre fechamento de postos e abertura de
novas vagas também é positiva e chega a 440 mil novos empregos, segundo
informou a OIT com exclusividade à BBC Brasil.
"Estamos
falando de 620 mil novas vagas, o que mais do que compensa os 180 mil empregos
que poderão ser perdidos (no Brasil)", resumiu Guillermo Montt
especialista da organização e pesquisador. A proporção é de 3,4 novas
oportunidades para cada demissão em território nacional.
O documento
mostra que seis milhões de trabalhadores devem perder seus empregos no mundo,
mas é otimista em relação ao saldo total, que deve ser positivo pela criação de
outras 18 milhões de vagas. Uma das chaves será requalificar esses
desempregados para ocuparem esses novos postos. A relação entre geração e
extinção de empregos é de quatro para um, revelam os números do órgão da
Organização das Nações Unidas.
A principal
mudança no mercado de trabalho ocorrerá no contexto do cumprimento do acordo
climático de Paris 2015 - que prevê restringir o aumento da temperatura global
a até 2°C acima de níveis pré-industriais.
Para cumprir a
meta, será necessário abandonar energias poluentes, transformar os meios de
produção e repensar o modo de consumo como um todo. A abertura de novas vagas
resultará da adoção de práticas sustentáveis na geração e no uso de energia
nesse contexto.
Será
necessário, por exemplo, priorizar fontes energéticas renováveis, desenvolver o
uso de veículos elétricos, além de construir e adaptar edifícios a padrões
ecológicos. A OIT também prevê que muitas posições se abrirão com a
reestruturação do modelo mundial de consumo para o chamado "sistema
circular".
Na economia
circular, a dinâmica deixa de ser
"extração-produção-consumo-descarte" e passa a ser
"extração-produção-consumo-reaproveitamento-novo uso". Somente nesse
segmento, a OIT estima que seis milhões de novos empregos podem ser criados com
a popularização de atividades de reciclagem como reparos, aluguel e
remanufatura, exemplifica o documento.
No contexto da
sustentabilidade, o relatório elenca diversos modelos de políticas públicas e
projetos da iniciativa privada bem-sucedidos que resultam em desenvolvimento
sustentável. Entre os casos de sucesso, há dois exemplos brasileiros: o Bolsa
Verde e o RenovAção.
Bolsa Verde
O Bolsa Verde é
um programa do Ministério do Meio Ambiente do tipo "PES" (Payment for
Ecosystem Services, pagamento por serviços de ecossistema, em inglês). Nesse
tipo de projeto, beneficiários recebem subsídios para gerir o ecossistema que
habitam. Dependendo do local e da população, podem ser projetos relacionados ao
uso do solo, à preservação de mananciais, à produção e autossuficiência de
energia, entre outros.
No programa
brasileiro, por exemplo, a transferência de renda é principalmente direcionada
às famílias que substituem queimadas e desmatamento por atividades de manejo e
preservação ambiental. O programa está presente em 22 Estados, totalizando 904
áreas assistidas e distribuídas por um total de 30 milhões de hectares.
Desde que
entrou em funcionamento, em 2011, o Bolsa Verde já beneficiou cerca de 76 mil
famílias. A região amazônica concentra o maior número de beneficiários (93%),
com destaque para o Estado do Pará.
Para participar
é necessário comprovar baixa renda, atuar em área de ecossistema e estar também
inscrito no Bolsa Família. Os participantes recebem R$ 300,00 por trimestre, ou
seja, R$ 1.200,00 por ano, para adotar práticas sustentáveis nas suas
comunidades.
"Nas áreas
abrangidas pelo programa houve visível redução do desmatamento e aumento da
qualidade de vida das famílias. O monitoramento demonstrou uma queda de 30% nos
desmatamentos", informou à BBC Brasil Juliana Simões, secretária de
Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio
Ambiente.
"Programas PES são uma forma de promover
objetivos sociais e ambientais simultaneamente. Isso é particularmente
relevante no caso do Brasil, um dos países mais mega-diversos do mundo",
defendeu Montt.
"O Bolsa
Verde é um exemplo nesse sentido, porque protege as famílias da pobreza ao
mesmo tempo em que preserva as florestas. Os benefícios retornam não apenas
para aqueles que são diretamente remunerados, mas para a sociedade como um
todo", elogia o especialista da OIT.
Para ilustrar o
caso brasileiro em particular, Montt cita a preservação das florestas como
estratégia fundamental para "regular o clima e a precipitação de chuva em
todo o país". Ou seja, o programa desenvolvido nas matas acaba por gerar
benefícios que impactam também as cidades.
Renovação
A OIT destacou
também o programa RenovAção, que chamou de "importante iniciativa". O
projeto foi iniciado em 2009 com base em uma parceria da União da Indústria de
Cana-de-Açúcar (Unica) com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(Senai) e outras instituições de ensino.
Trabalhadores
rurais do sudeste que perderam seus empregos por conta da abolição da prática
da queima da palha de cana foram treinados para adquirir novas qualificações.
Por meio do aprendizado, eles conseguiram se reposicionar na mesma indústria e
também em outros setores.

"O
RenovAção no estado de São Paulo é uma prática modelo que vale a pena. Ajudou a
avançar a sustentabilidade na indústria da cana-de-açúcar e melhorou a
transição dos trabalhadores para outros setores", destacou Montt.
"É um bom
exemplo de como a modernização leva à dispensa, mas também de que é possível
encontrar alternativas. As cadeias produtivas necessitam da modernização para
avançar no ganho de produtividade e na sustentabilidade", resume o
professor e especialista em gerenciamento ambiental da Universidade de São Paulo
Sérgio Pacca.
Estresse térmico
O estudo também
estima que a mudança climática deverá afetar profundamente o nível de
produtividade dos trabalhadores, porque o aumento na temperatura fará com que o
estresse térmico desencadeie condições médicas como exaustão e até mesmo
derrames com maior frequência.
Esses problemas
de saúde ocupacionais relacionados ao aquecimento causarão uma perda global de
2% nas horas trabalhadas até 2030. Empregados da indústria agrícola nos países
em desenvolvimento serão especialmente afetados.
O relatório
afirma, ainda, que a transição para a economia verde beneficiará a maioria dos
setores pesquisados. Em todo o mundo, dos 163 setores produtivos analisados,
apenas 14 perderão mais de 10 mil empregos. O fechamento das vagas se concentrará
principalmente na indústria do petróleo.
Petróleo
Mundialmente,
dois segmentos serão os maiores perdedores, concentrando o fechamento de mais
de um milhão de vagas: são os setores de extração e de refino do petróleo. Em
regiões com economias altamente dependentes dessa matéria-prima - como no caso
do Oriente Médio - o saldo líquido será uma queda de 0,48% no nível de emprego
em decorrência do abandono dos combustíveis fósseis.
"Fala-se
muito em desenvolver o pré-sal no Brasil, mas esse é um modelo ultrapassado. O
que deveria estar se pleiteando agora é o futuro. Ainda estamos olhando para o
tema do desenvolvimento com um olhar de um século atrás. Não estamos sabendo
nos modificar em termos de inovação e adequação", critica o professor
Pacca.
Globalmente,
2,5 milhões de novos postos de trabalho serão criados nos setores de
eletricidade gerada por fontes renováveis, compensando cerca de 400 mil vagas
perdidas na geração de eletricidade baseada em combustíveis fósseis.
Na conclusão, a
OIT sintetiza a recomendação de que países adotem uma combinação de políticas
que inclua transferências de renda, seguros sociais mais fortes e limites no
uso de combustíveis fósseis.
Essa abordagem
conjunta levaria a um "crescimento econômico mais rápido, com maior
geração de empregos e com uma distribuição de renda mais justa", bem como
menores emissões de gases causadores do efeito estufa.
"O Brasil
precisa aproveitar que tem uma natureza tão abundante e repensar seu
desenvolvimento. Não dá pra ficar vendendo commodities pra sempre. Acredito que
a conservação vai ter no futuro um valor muito maior, muito mais relevante, do
que a expansão das commodities", profecia Bacca. (BBCBrasil)
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