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César Oliveira |
A referência mais antiga a essa citação é do
século XV, em francês (Guérir quelquefois, soulager souvent, consoler
toujours), mas já deve ser uma provável tradução do latim medieval, já
que nele existe a frase medicus quandoque sanat, saepe lenit et semper
solatium est”: o médico às vezes cura, muitas vezes alivia e sempre é um
consolo. Há traduções em outras línguas, como inglês: "To cure
sometimes, to relieve often, to comfort always"; italiano: "Guarire
qualche volta, alleviare spesso, confortare sempre"; espanhol: "Curar
algunas veces, aliviar frecuentemente y consolar siempre". Embora com
variações e muitos médicos enganosamente apontados como autores,
inclusive, Hipocrates, ela contém as lições que nos balizam, ainda que
seja um novo milênio.
Ao médico que pensa ter chegado ao
Olímpo- sim, somos senhores de pequenos milagres- ela sinaliza que a
cura é pontual e que o desconhecido é sempre maior do que o saber
dominado, que somos limitados e imprecisos e que só a reinvenção
permanente e obsessiva do estudo, do esforço, da humildade do
conhecimento, pode nos distanciar do erro, da imperícia e da
negligência. "A vida é breve, a arte é longa, a oportunidade passageira,
a experiência enganosa, e o julgamento difícil", ensinava Hipócrates,
na frase que Sêneca popularizou. A soberba - em alguns, por imaturidade
emocional; em outros, por defesa prévia-, nem aprimora, nem protege, e
sempre é preciso lembrar como diz o personagem Aranha, o super-herói:
com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.
Por outro
lado, somos técnicos submetidos a condições massacrantes de trabalho,
com sacrifícios permanentes de horários, em uma atividade de alta
letalidade, urgente, tensa, que não permite o erro, sob a ameaça da lei e
da consciência. E mais: que por motivos diversos aceita trabalhar em
condições de absoluto improviso e inadequação. Apesar da roleta russa
profissional cada um traz na memória prodígios realizados a partir do
mínimo e da escassez, e, pelo menos a prática do alívio, quando
impedidos de curar.
Se o conhecimento e a tecnologia crescem
de forma exponencial ainda somos os mesmos humanos: indefesos diante da
doença, frágeis diante da dor, desamparados diante das perdas. Por
isso buscamos nos médicos a salvação da vida, sob risco iminente de
morte; o alívio do sofrimento que amputa a soberania do corpo; e a
especiaria do amparo para a alma quando ela parece liquefeita.
Por isso, para isso, e só por isso, somos médicos, mas só iremos longe
se não esquecermos nunca que estamos apoiados sobre os ombros de um
gigante: a Medicina.
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