Café forte, cuscuz, beiju comum ou de coco, bolachão, carne-de-sol, farinha de mandioca, farofa de milho, batata-doce, carne de bode e carneiro, fruta-pão, aipim, pirão de leite... Vai por aí a tradicional culinária do sertão e de Feira de Santana, que, apesar da proximidade com Salvador, é sertão e mantém seus hábitos oriundos do aboio do vaqueiro, das caravanas de tropeiros e mascates que rumavam para o porto de Cachoeira, no Recôncavo, mas passavam, obrigatoriamente, por aqui.
Assim, a culinária da Princesa, por mais que queiram associá-la à da capital, tem seus ingredientes, preparos e cheiros próprios. É bom observar que, com a globalização, hoje já se saboreiam aqui pratos asiáticos, assim como lá os asiáticos já saboreiam pratos daqui. O que se percebe na culinária, como em tudo, é a universalização das coisas, mas ainda é possível dissociar o que é nosso, o que é nativo, daquilo que hoje adotamos e não é nosso.
Do mesmo modo que o cowboy do velho oeste norte-americano, tanto mostrado no cinema quanto na realidade, o boiadeiro, ou vaqueiro nordestino, nas longas jornadas que duravam dias, conduzindo enormes boiadas, tinha um cardápio próprio, adaptado às circunstâncias. Feijão, farinha de mandioca, bolachão, carne-de-sol (correspondente ao bacon dos cowboys), tapioca, rapadura de cana-de-açúcar, água, fumo de corda e uma boa branquinha (aguardente) eram a base de tudo. O tropeiro, embora um pouco diferente na sua atividade mercantilista, também apresentava algumas semelhanças no cardápio habitual.
Bem cedo, com o cantar do galo, nas arrumadas trempes (tipo de fogão de ferro com três pernas, ou improvisado com pedras), alguns vaqueiros faziam o indispensável café e o desjejum tinha que ser caprichado para dar sustança durante os longos trajetos, às vezes em terrenos inóspitos ou atravessando riachos perigosos. Farofa de milho, que, molhada, virava cuscuz; bolachão; beiju; e, de forma alternada, batata-doce, aipim ou fruta-pão, acompanhados de café forte. Alguns não dispensavam um pedaço de carne-de-sol ou de bode. Em meio a isso tudo, uma boa bicada (cachaça) e uma pitada (fumo).
Na parada para o almoço e no final da tarde, entravam o feijão comum ou o tropeiro, com farinha de mandioca, carne-de-sol, às vezes batata, banana da terra cozida, jerimum (abóbora), cuscuz rústico. A carne-de-sol geralmente era preparada pelos próprios vaqueiros antes das viagens (carne bovina, com um pouco de sal, secada ao sol). Frutas e verduras não eram convencionais, assim como ovos.
A água de chuva não tinha grande serventia para os viajantes, que procuravam fontes e riachos de água limpa e iam criando rotas que, subsequentemente, passavam a ser aproveitadas por outros grupos, surgindo assim novas estradas. Desse modo, foi-se criando na região, denominada sertão ou semiárido, uma cultura alimentar simples, mas de bom valor nutricional, que, hoje, mesmo acrescida de muitos outros elementos, continua prevalecendo.
Cerca de 200 anos depois da formação do povoado de Santana dos Olhos D’Água, hoje na Região Metropolitana de Feira de Santana, ainda é possível fazer uma refeição com pratos que fazem parte dessa história. No café matinal, independente do pão (alimento universal), o cuscuz de milho, que pode ser original (puro) ou ter a adição de ovos, carne, chocolate e outros tantos elementos; ovos fritos; abóbora; banana da terra; aipim; beiju (feito em casa de farinha ou no fogão convencional); queijo ou requeijão; sucos e frutas.
No almoço, há quem não dispense o feijão/arroz (considerados o pilar da alimentação brasileira). As carnes de boi, bode e carneiro também são tradicionais no cardápio regional. A galinha, em diferentes preparos, é um dos pratos mais saborosos e requisitados, assim como a maniçoba (feita com folhas da mandioca, que é uma planta de origem sul-americana, carnes e peixe), alimento muito forte e, por isso mesmo, geralmente de consumo moderado. Entre os sertanejos, originalmente, não chegou a ser expressivo o consumo de pescados, mas hoje existem muitas casas especializadas, propiciando aumento na procura de peixes.
A culinária ou gastronomia atualmente é uma arte altamente profissionalizada, quando antes era um exercício caseiro, praticado por donas de casa e empregadas (pessoas que com elas trabalhavam), com o objetivo de alimentar a família. Hoje, com o título de chef, quem prepara alimentos tem alto prestígio e capacidade para criar pratos com enormes variações, mas a cozinha regional, sertaneja, sem sofisticação, ainda pode ser encontrada em Feira de Santana, como um patrimônio regional que não deve desaparecer.
Por Zadir Marques Porto
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