A longevidade dessa loja especializada em discos musicais, cerca de 60 anos, dos quais 54 sob a direção de Coelho, já é um fato raro nos dias atuais
Extremamente habilidoso, aos 21 anos de idade, o atacante Coelho foi vítima de uma entrada dura do zagueiro Messias. Lesionado no joelho direito, afastou-se dos gramados e investiu em uma loja de discos que é referência do gênero em Feira de Santana.
Mais de meio século trabalhando com música - vendendo discos, fitas, vídeos, fazendo seleções musicais e gravações - credencia-o a uma condição de ‘maestro’, que não seja em regência, mas em conhecimento de artistas, ritmos, sucessos, tudo que se relaciona com essa atividade. Esse é o perfil de Enoque Calazans Coelho; que, assim anunciado, poucos irão identificá-lo. Ao contrário, se for dito: Coelho, ex-craque de bola, proprietário de A Discolândia, aí fica fácil saber quem é.
Na verdade, a longevidade dessa loja especializada em discos musicais, cerca de 60 anos, dos quais 54 sob a direção de Coelho, já é um fato raro nos dias atuais, já que o avanço ilimitado da tecnologia tem provocado uma enorme mutação no mercado musical. Desapareceram os longa duração (LPs), os CDs, fitas cassete e outras formas de mídia eletrônica, gerando o fechamento de centenas e centenas de lojas na Bahia. Mas a Discolândia permanece incólume na Galeria Caribé, onde sempre esteve, apenas em uma outra loja, mas muito próxima da atual, questão de poucos metros.
Mas é impossível, ou indevido, falar sobre a loja sem citar o seu proprietário, já que entre os dois há uma profunda ligação. Craque de bola, exímio driblador, jogando mais pelo lado direito do ataque, Coelho, natural de Santa Bárbara, destacou-se no futebol de salão (hoje futsal) e no futebol amador da cidade de tal modo que, no início da década de 1960, estava no Fluminense de Feira. Seu futebol chamava a atenção e, em 1966, foi contratado pelo Flamengo de Ilhéus. Quis voltar para Feira, mas o Colo-Colo, principal time de Ilhéus, se antecipou.
Em 1967, jogando pelo Colo-Colo contra o Bahia de Feira, no Joia da Princesa, Coelho foi atingido no joelho direito pelo lateral Messias. Ele não culpa o jogador alagoano, já falecido. Foram quatro cirurgias no Hospital e Centro de Ortopedia e Traumatologia (COT), em Salvador, com os doutores Moisés Wolfovich e Moisés Schiper, os melhores da Bahia na época. Mas a gravidade da lesão (igual à sofrida recentemente por Neymar) acabou com sua promissora carreira aos 21 anos de idade. Em 1970, ele adquiriu a Discolândia, de início em sociedade, depois resolveu seguir sozinho, como faz até hoje.
Conhecendo tudo sobre o mercado musical, ele destaca Roberto Carlos como o maior vendedor de discos na época dos LPs. “Ele lançava um disco no mês de dezembro, anualmente. O público já estava esperando. Vendia de dois a três mil discos. Era coisa certa”. Lembra também que havia aficionados pela música que compravam discos sistematicamente para suas discotecas particulares: “Muitos deles ficavam esperando e, quando chegavam os discos desejados, nós ligávamos e eles iam correndo à loja”, citava Hélio Oliveira, recentemente falecido, como um dos mais dedicados colecionadores de discos fonográficos da cidade. Ele chegou a ter a banda musical, Os Genéricos.
Barry White, Frank Sinatra e Roberto Carlos são alguns dos cantores preferidos de Coelho, que, na verdade, prende-se mais à qualidade da música do que ao intérprete ou ao ritmo. Assim, ele observa que, de acordo com a época, há grande mutação na música, que funciona como uma espécie de termômetro social. “Bem atrás, eram os boleros românticos, veio a bossa nova, a MPB e o brega na mesma época, o samba, o arrocha, que ainda apresenta alguns trabalhos bons, e forró. Mas o panorama atual é de música descartável, que dura apenas dias”. A velocidade com que surgem novos cantores e até a forma de interpretação são compatíveis com a correria da vida atual, observa.
Coelho transfere essa correria, essa ansiedade existencial para o futebol, onde “o atleta superpreparado, fisicamente, não permite ao adversário sequer dominar a bola. Não há espaço para uma jogada técnica, uma bela jogada como antigamente”, afirma. Por isso, ele entende que, hoje, seguindo o ritmo de vida contemporâneo, a música perdeu o romantismo que era expresso nas letras e nas melodias. Mas ainda há quem goste de boa música, principalmente os que já ultrapassaram a fronteira da meia-idade, observa. Bem casado, com uma família sólida, incluindo filhos e netos adultos, sendo alguns médicos, Coelho mantém o físico do tempo de profissional da bola, por conta da vida regular que sempre manteve.
Depois das cirurgias e do diagnóstico médico afastando-o definitivamente dos gramados, aos 21 anos, quando deveria estar começando, Coelho participou de jogos de futebol entre amigos, embora fazendo verdadeiro sacrifício para isso. Ainda sente dores no joelho direito e muitas saudades do futebol: “Tem noites que sonho jogando bola”, confessa. Fluminense de Feira e Flamengo carioca são seus times preferidos, mas a Discolândia continua em primeiro lugar!.
Por: Zadir Marques Porto
Um comentário:
O nosso Pelé!
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