Por Carlos Castilho em 23/10/2013
A maioria dos jornalistas
contemporâneos apresenta um déficit pessoal de conhecimentos capazes de
assegurar condições mínimas para informar sobre a complexidade e diversidade
dos fatos, dados e eventos deste início da era digital. Esta é
a conclusão, preocupante, do livro Informing the News: The Need for Knowledge-Based Journalism, do
professor Thomas Patterson, da Escola Kennedy de Governança, na Universidade
Harvard, e que foi lançado em meados de outubro nos Estados Unidos (versão
eletrônica disponível na livraria virtual Amazon).
A ideia central de
Patterson é a de que a observação, entrevistas e checagem já não conseguem mais
dar conta da necessidade de lidar com fatos, dados e eventos cada vez mais
complexos, para os quais a exigência de contextualização se tornou mais
importante do que a descrição factual ou reprodução de opiniões e
percepções de entrevistados.
O livro discute as
abordagens tradicionais tanto da natureza como do exercício do jornalismo e
mostra como os manuais de redação e estudos teóricos sobre a atividade
estão defasados em relação à realidade surgida após a avalancha
informativa e a generalização do uso das novas tecnologias de informação e comunicação
(TICs).
A maioria dos repórteres
atuais já se deu conta que cobrir notícias econômicas, políticas e relacionadas
à ciência ou tecnologia exige um conhecimento maior sobre os temas em pauta
porque não só as questões se tornaram mais complexas, como também aumentou a
sofisticação dos entrevistados no uso de técnicas de construção de imagem
e marketing de ideias.
As ferramentas
tradicionais de observação, entrevista e checagem já não conseguem mais uma
rápida e eficiente identificação de vieses informativos nas
declarações de um político ou de um consultor financeiro. Transmitir a
informação bruta equivale muitas vezes a disseminar uma mentira deslavada, com
o consequente descrédito do profissional e do veículo após a identificação do
equívoco.
Quando o ritmo informativo
era menos frenético do que o existente hoje, era possível corrigir e reduzir os
efeitos negativos, especialmente em matéria de danos a reputações. Mas depois
da avalancha informativa na web, a disseminação das notícias e boatos é
tão rápida e ampla que o recurso ao “erramos” tornou-se meramente protocolar.
A contextualização da
informação permite condições mínimas para identificar quando e como alguém está
distorcendo um fato, dado ou descrição de um evento. Só que contextualizar
exige duas condições muito escassas no ambiente jornalístico
contemporâneo: conhecimento e tempo.
O conhecimento requer
estudo, pesquisa, investigação e especialização. A complexidade da vida atual
mostrou aos jornalistas como quase tudo está hoje interligado e,
principalmente, como os valores tradicionais como verdade, objetividade,
imparcialidade e exatidão tornaram-se relativos. As certezas estão se
evaporando enquanto as dúvidas se multiplicam, tornando a tarefa de
informar extremamente fluida e sujeita a um elevado grau de incerteza.
Como desvendar o jogo
embutido no marketing político adotado pela maioria esmagadora dos nossos
parlamentares ou ocupantes de cargos públicos? Como perceber que dados
revelados por um empresário ou economista são menos importantes do que os não
divulgados? Como identificar interesses associativos em iniciativas de
organizações sociais? Todas estas são preocupações capazes de minar a
segurança profissional de repórteres quando confrontados com a pauta
diária de coberturas.
Na falta de condições para
contextualizar o material colhido, os jornalistas recorrem ao
cinismo como forma de se distanciar do viés embutido em cada entrevista ou
informação. O professor Patterson critica duramente o recurso ao cinismo ao
afirmar que ele funciona apenas como uma cortina de fumaça, porque não consegue
passar ao leitor a informação que ele realmente procura e que está na
contextualização do fato, dado ou evento.
O livro destaca que a
preocupação com o déficit de conhecimento apresentado pela maioria dos
jornalistas é fruto do ritmo industrial imposto pelas empresas de
comunicação na produção de material para publicação e divulgação. Mostra
também como o menosprezo das empresas pela necessidade de reduzir o déficit de
conhecimento nas redações é anterior às TICs. Patterson reproduz as reações dos
principais executivos da imprensa norte-americana após a divulgação do
famoso Relatório
Hutchins sobre Liberdade de Imprensa, no qual os
seus autores criticavam duramente a superficialidade do noticiário jornalístico
da época.
Quase todos os jornais,
com exceção do New York Times,
criticaram as conclusões do informe afirmando que ele era uma divagação teórica
de um grupo de professores. Vinte anos mais tarde, o ex-repórter Phillip Meyer,
que abandonou a profissão para se tornar professor universitário, desenvolveu
um estudo sobre o que ele chamou de jornalismo de precisão, no qual destacava a necessidade de usar métodos
das ciências sociais para informar sobre fenômenos urbanos. A proposta foi
elogiada, mas sua aplicação nunca chegou à dimensão proposta por Meyer.
O que o professor
Patterson propõe é o fim do mito do jornalismo mais preocupado com a ação, e em
gastar sola de sapato, e a valorização do conhecimento como ferramenta
fundamental da profissão. Ele sugere que repórteres e editores explorem
duas vertentes do conhecimento jornalístico: o conhecimento dos
conteúdos e o conhecimento do processo de comunicação. O primeiro
visa conhecer o contexto dos fatos, dados e eventos para evitar distorções na
notícia; e o segundo para entender melhor os interesses do público e buscar
formas mais eficientes de transmitir notícias e informações pela web.
Nenhum comentário:
Postar um comentário