A enfermeira
aposentada Maria Aparecida Cota, de 72 anos, coleciona estratégias para não
cair em golpes.
Não saca
dinheiro em caixa eletrônico nos finais de semana, nunca passa dados pessoais
por telefone e sempre rasga cartas de supostos escritórios de advocacia dizendo
que, graças a uma nova lei, aposentados têm direito a um dinheiro extra. Vez ou
outra ela muda o sotaque e finge ser outra pessoa no telefone na tentativa de
afastar vendedores e golpistas.
"A
pessoa mais velha não fica mais esperta, não, a gente tende a precisar mais das
pessoas e acaba confiando em quem é gentil. E os golpistas são bons de papo,
costumam ser bem convincentes", diz Maria Aparecida, que se orgulha de
nunca ter caído em nenhum golpe até hoje.
Maria
Aparecida tem razão em se precaver. Os mais velhos são mais vulneráveis às
artimanhas de criminosos, em especial os especializados em aplicar fraudes.
"Entre
os crimes cometidos contra idosos, estelionato é o mais comum. Depois vêm roubo
e desaparecimento", diz o delegado Rafael Souza Horácio, chefe do 1º
Departamento da Polícia Civil de Minas Gerais.
Em Minas, por
exemplo, foram mais de 6,8 mil golpes contra idosos em 2016. Apesar de o número
representar 22% do total de estelionatos aplicados no Estado, é o crime que
mais se comete contra os com mais de 60 anos.
O mesmo
acontece em diferentes Estados do Brasil.
No Rio, dados
de 2012 indicaram uma média de 22 vítimas idosas de estelionato por dia.
Naquele ano, foram registrados 8,1 mil casos, número considerado elevado dado o
total de idoso no estado.
Em São Paulo,
o Disque 100 - serviço do Ministério dos Direitos Humanos - contabilizou 7.550
denúncias no Estado em 2016. Casos de negligência contra idosos e de violência
psicológica lideram as denúncias, seguidos por abuso financeiro e econômico.
Desde
janeiro, está em vigor uma lei que prevê punição maior para quem aplica golpe
em pessoas com mais de 60 anos. Estelionato é o crime de "obter, para si
ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo
alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio
fraudulento". Pelo Código Penal, a pena de reclusão varia de um a cinco
anos, prazo que agora pode ser duplicado caso o estelionato seja cometido
contra idoso.
Dicas e golpes
Horácio diz
que estelionatários sempre estão sempre fingindo querer ajudar alguém. Faz
parte da estratégia exagerar na simpatia ou na simplicidade, simulando oferecer
ou pedir ajuda, a depender da situação.
Nem sempre,
contudo, golpes são reportados à polícia. O delegado lista algumas das fraudes
mais comuns aplicadas por estelionatários, em especial contra idosos, e dá
dicas de como evitar ser enganado.
1. Compra
equivocada
Por telefone, uma pessoa comunica que
uma compra de valor elevado foi feita com o cartão do cliente. Ao tentar
confirmar dados como nome, endereço, número de conta e de cartão, coleta as
informações pessoais. O delegado diz para jamais confirmar ou dar algum dado
por telefone e preferir tratar de qualquer assunto na própria agência, de
preferencia com o gerente.
2. Processo
judicial
Uma carta ou um telefonema avisa que o
aposentado tem uma causa ganha na Justiça, mas que precisa pagar os honorários
de um advogado ou custas processuais para receber a indenização. O depósito é
feito normalmente em contas de laranjas e a pessoa nunca recebe nenhum valor. A
polícia sugere, antes de fazer qualquer pagamento, procurar informações sobre o
processo junto a associações de classe ou com advogados conhecidos.
3. Troca de
cartão
Golpistas costumam instalar uma máquina
para reter cartões no caixa eletrônico, normalmente em horários fora do
expediente bancário e nos finais de semana. Se o cartão ficar retido, procure
um funcionário credenciado dentro da agência ou deixe o cartão na máquina e,
posteriormente, peça você mesmo para que seja cancelado. "Sem a senha, não
é possível fazer nada com o cartão. Às vezes é melhor deixar lá do que aceitar
a ajuda de um estranho", diz o delegado.
4. Saidinha de banco

5. Bilhete premiado
Velho golpe
no qual uma pessoa, normalmente aparentando origem humilde, diz ter ganho na
loteria ou ter uma indenização a receber no banco. Mas sempre há um impedimento
para receber o dinheiro. Há diferentes versões: ou está sem o documento, ou tem
uma dívida no banco, ou a agência já está fechada e a pessoa precisa viajar
para outra cidade. O golpista repassa à vítima os direitos do
"prêmio" em troca de um valor mais baixo do que deveria receber e
desaparece. "Não existe dinheiro fácil. Não tem como levar vantagem
econômica de forma rápida. O problema é que muitos querem mesmo é ajudar e
acabam sendo vítimas", afirma o delegado Rafael Horácio.
6. Carro do sobrinho
Por telefone,
uma pessoa pergunta a quem atende a chamada se ela sabe quem está falando.
Chama-a de "tio" ou "tia" e tenta constranger falando que
quem está do outro lado da linha se esqueceu do sobrinho (ou sobrinha) querido.
Na conversa, tenta fazer com que a pessoa diga um nome de uma pessoa que
conhece para, em seguida, dizer que é essa pessoa, contar que o carro quebrou
no meio da estrada e pedir dinheiro para o conserto.
Se a pessoa
cai na narrativa, o golpista passa dados bancários na tentativa de conseguir
dinheiro por meio de uma transferência ou depósito. A dica para não cair nesse
golpe é tentar inverter a lógica e extrair da pessoa que ligou o maior número
possível de informações, em vez de cedê-las. Tente conseguir o nome de quem te
ligou, pergunte de quem é filho ou filha, onde está e qualquer outro detalhe
capaz de identificar a pessoa. Na dúvida, desligue e ligue você para o sobrinho
ou sobrinha que poderia ter ligado pedindo ajuda.
"E se você
for o ladrão?"
Apesar de seguir à risca todas essas
dicas, Maria Aparecida conta que por muito pouco não entrou para as
estatísticas das vítima de golpista. Há poucas semanas, recebeu um telefonema
de uma pessoa dizendo ser do banco e comunicando que uma compra de R$ 3 mil
havia sido feita com o cartão dela.
"Já sabiam praticamente todos os
meus dados e acabei confirmando, sem perceber, vários deles, mas percebi que
eles queriam mais porque me pediram aquele número que fica atrás do cartão.
Falaram até que podiam ir até minha casa para pegar meu cartão e trocar por um
novo", conta.
A aposentada, então, disse que preferia
resolver o problema pessoalmente, na agência com a gerente do banco. Diante da
insistência de quem estava do outro lado da linha que alertava estar ligando
por uma questão de segurança, disse: "E se for você o ladrão?". BBCBrasil.
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