
A
razão para o descompasso estaria em duas gotinhas de um complexo homeopático,
distribuídas em postos de saúde a 200 mil pessoas dessas cidades. O remédio a
conta-gotas não evita a infecção, mas reduz os sintomas ao ponto de o infectado
nem perceber que contraiu o vírus. Os resultados nada homeopáticos da ação,
liderada pela Secretaria Estadual de Saúde, levaram outros 75 municípios a
aderir à campanha no final do ano passado.
Em 2014, moradores de cem cidades
goianas terão à disposição as gotinhas quatro vezes ao ano. “Como não têm
contraindicação, todo mundo pode tomar, incluindo bebês e gestantes”, diz o
médico Nestor Furtado, diretor-geral do Hospital de Medicina Alternativa, de
Goiânia, onde é feita a medicação. Outra vantagem é o custo: um frasco com 300
doses custa R$ 1,60, menos que um cafezinho.
Outros locais, como São José do Rio
Preto, em São Paulo, e Macaé, no Rio, também distribuíram a medicação contra a
dengue, desenvolvida pelo homeopata pediátrico Renan Marino, professor da
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Marino foi o primeiro a lançar a ideia.
Em 2001, uma ação na cidade paulista deu o medicamento a 20 mil pessoas de um
dos bairros com mais focos do mosquito e ajudou a derrubar em 80% o registro de
novas infecções – sem nenhum de dengue hemorrágica. O mesmo ocorreu em Macaé,
que reduziu em 62% os casos de dengue entre 2007 e 2009.
São José do Rio Preto voltou a fazer a
campanha em 2007, mas o secretário de Saúde do Estado na época entrou com um
pedido na Justiça para cancelar o mutirão porque não havia comprovação
científica da eficácia das gotinhas. A campanha cessou, mas a população não
parou mais de recorrer ao homeopático antidengue, aprovado pela Anvisa um ano
depois da polêmica. Testes feitos com o composto mostraram que o número de
plaquetas em ratos aumentou três vezes após seu uso. Plaquetas em alta ajudam
na coagulação sanguínea, o que explica o efeito na prevenção da dengue
hemorrágica.
A história do controverso remédio contra
a dengue ilustra as dificuldades que a homeopatia enfrenta até hoje. Apesar de
ser o segundo sistema médico mais usado do mundo, perdendo apenas para a
alopatia, ela ainda luta para dar aval científico aos seus princípios pouco
convencionais. A medicina tradicional combate uma doença com remédios que
provocam o oposto dos sintomas. A depressão é tratada com antidepressivos, uma
inflamação com anti-inflamatórios – e assim por diante. Já a homeopatia usa
substâncias que causam os mesmos efeitos da doença. A beladona, por exemplo, é
uma planta que causa febre alta e é receitada para tratar… febre alta. “Quando
uma doença se instala, é sinal de que o sistema imunológico não consegue mais
reconhecer a doença como um inimigo”, diz o médico homeopata Marcus Zulian
Teixeira, professor de Medicina da USP. “A homeopatia dá ao paciente uma doença
artificial para tratar uma doença real. É como dar um tapa no organismo e
dizer: “Acorda!”
Mas, para evitar que a febre piore muito
– e o tapa vire um nocaute -, a beladona e os outros princípios ativos da
homeopatia são diluídos em água. Na homeopatia, a diluição é a alma do negócio
– e, para os críticos, seu grande problema. Samuel Hahnemann, fundador da
homeopatia, criou um sistema de diluição que consiste em diluir uma gota do
princípio ativo em 99 gotas de água, sucessivas vezes. A diluição final é
representada pelo número de centesimais hahnemannianas (CH). Os remédios
homeopáticos costumam estar a 30 CH, para não agredir o paciente. O problema é
que, segundo as leis da química, uma diluição dessas não contém sequer uma
molécula do princípio ativo. A diluição de qualquer matéria a mais de 12 CH é
suficiente para que a solução vire pura água. E agora?
O mistério da água
Bom, a explicação sobre o funcionamento
dos remédios homeopáticos pode estar justamente na água. Os homeopatas
acreditam que os compostos homeopáticos ainda guardariam uma “memória” do
princípio ativo nela diluído. E alguns experimentos dão suporte a essa
hipótese. Um trabalho publicado em 2003 na revista científica Physica A mostrou
que, ao ser congelado, um copo com cloretos de sódio e de lítio diluídos até
quase desaparecerem guardava diferenças ao ser comparado à água pura. A
avaliação foi feita com uma técnica de termoluminescência, que detecta a
estrutura de substâncias sólidas. Em 2005, uma pesquisa na Nature confirmou o
achado, mas revelou que a água só armazena as propriedades de substâncias
diluídas por 50 femtossegundos (1 femtossegundo equivale a 1 bilionésimo de
milionésimo de segundo). Ou seja, a memória da água seria tão curta que nem
poderia ser chamada assim.
Mas a falta de uma explicação sobre seu
mecanismo de ação não ofusca a popularidade da prática. No Brasil, entre 2007 e
2012 houve um aumento de 10% nas consultas homeopáticas pelo Sistema Único de
Saúde (SUS), oferecidas em mais de 400 postos no País. E a descoberta publicada
na Nature também não sepultou as esperanças de provar o mecanismo de ação da
homeopatia. Um novo estudo em 2009 mostrou que, em alguns casos, a memória da
água pode durar um pouco mais: 48 horas.Mas não há consenso. “A relevância
desses estudos para provar os alegados efeitos da homeopatia permanece duvidosa”,
afirma o médico Edzard Ernst, pesquisador da Universidade de Exeter,
especializado em investigar a eficácia das terapias alternativas.
A falta de provas do efeito das gotas
diluídas leva à conclusão de que o benefício da homeopatia é apenas psíquico, ou
seja, placebo. “A melhora dos pacientes tende a estar relacionada a efeitos não
específicos, como placebo, a história natural da doença ou a regressão
espontânea dos sintomas”, diz Ernst. Em 2005, uma revisão de mais de 200
estudos concluiu que o efeito dos remédios homeopáticos não era superior ao de
comprimidos de farinha. A revelação levou o The Lancet a declarar “O fim da
homeopatia”. Foi um dos golpes mais duros que a prática recebeu desde 1796,
quando Hahnemann lançou seu primeiro texto sobre o assunto.
Mas não demorou muito para a pesquisa
ser criticada até por quem não simpatiza com a prática. A análise reuniu 110
estudos em homeopatia, mas excluiu 102. Entre os únicos oito incluídos na
revisão, os remédios homeopáticos foram reprovados. Os autores da revisão não
deixaram claros os critérios usados para analisar menos de 10% do total de
estudos e fazer uma conclusão tão demolidora. Em 2011, o governo da Suíça
chegou ao resultado oposto: os medicamentos ultradiluídos têm, sim, resultados
superiores ao placebo em vários casos, especialmente no tratamento de infecções
respiratórias e alergias. Dos 29 estudos avaliados sobre o tratamento dessas
doenças, 24 mostraram resultados favoráveis à homeopatia. Click aqui e leia matéria completa no SuperInteressante.
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