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César Oliveira |
Pode parecer, ao olhar mais desatento,
que o médico tem um ofício divino e poderes ilimitados, refazendo no corpo as
imperfeições, as falhas, os traumas, que a vida vai nos legando. Não se deixa
de ter um pouco de razão, afinal, prolongar a vida, permitir que o milagre do
parto se refaça milhares de vezes por dia, estender o tempo de alguém sobre a terra quando, em uma emergência, tudo mais já
parece perdido, não deixa de ter algo de divino. Porém, mais que isso, é
preciso entender que o médico é um operário de seu saber, com sua lavoura
arcaica, de gente. E, como todos, sentem frio, fome e sede.
Mais do que nunca, ser médico exige o
talento de um administrador para distribuir seu tempo entre diversos empregos,
e a habilidade de um Templário para lutar com os gestores da Saúde. E pede-se
que seja um homem de alma dura e força sobre-humana para sobreviver às
condições de trabalho na rede pública onde, como um Deus impotente, mas senhor
dos destinos, tem que escolher quem vive e quem morre. Sem perder, entretanto,
a capacidade de enternecer-se com os que necessitam, os que dependem do seu
amparo, com os que, fragilizados pela doença e pela dor, necessitam do abrigo
de sua sabedoria salvadora. Isso tudo, sem tornar-se vaidoso em excesso e sem
esquecer que seu saber é sempre menos do que o necessário, finito, e mutável. E
que, por isso mesmo, a busca da precisão – este eterno moinho- deve ser sua
única obsessão permanente e interminável.
O médico, no entanto, mais que o
reparador do corpo precisa ser, especialmente nestes dias difíceis e
angustiados em que vivemos, um ouvinte da alma alheia, afinal, seu consultório,
sempre é um confessionário, onde se debruçam sonhos, amores, dores,
sofrimentos; onde se conjuga a fragilidade e a esperança, onde se desabafa e se
busca a libertação dos silêncios que oprimem. Ao médico, o gênesis e o luto,
são pontos cardeais. E o sigilo e silêncio o legado de Hipócrates, da ética e
da lei.
Por tudo isto o médico precisa ser
feiticeiro, altar, sábio, protetor, parceiro, convincente, acessível, paciente,
hábil, e, eficaz. Absolutamente eficaz. Precisa ser franco, sem ser rude; ser
afetuoso, sem ser melodramático; ser frio, ocasionalmente, sem ser indiferente;
ser leve, sem ser enganador; ser preciso, sem ser insensível. É preciso ser
muitos, tanto quanto são os humanos, para ser o médico de todos, ainda que ao
fim e ao cabo, seja um só.
De tão diverso ser que é, tão exigido,
talvez, o médico queira apenas que você não esqueça que ele também é humano e
que, como todo humano, sente dor e alegria, afetos e faltas. Por isso, na
próxima consulta, ao invés de chamá-lo apenas de doutor, aproveite e o chame
também de amigo, afinal, vocês, cúmplices, terão sempre algo irrepetível, em
comum: a vida.
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