quarta-feira, 18 de outubro de 2017

O MÉDICO


César Oliveira

Pode parecer, ao olhar mais desatento, que o médico tem um ofício divino e poderes ilimitados, refazendo no corpo as imperfeições, as falhas, os traumas, que a vida vai nos legando. Não se deixa de ter um pouco de razão, afinal, prolongar a vida, permitir que o milagre do parto se refaça milhares de vezes por dia, estender o tempo de alguém sobre a terra quando, em uma emergência, tudo mais já parece perdido, não deixa de ter algo de divino. Porém, mais que isso, é preciso entender que o médico é um operário de seu saber, com sua lavoura arcaica, de gente. E, como todos, sentem frio, fome e sede.
Mais do que nunca, ser médico exige o talento de um administrador para distribuir seu tempo entre diversos empregos, e a habilidade de um Templário para lutar com os gestores da Saúde. E pede-se que seja um homem de alma dura e força sobre-humana para sobreviver às condições de trabalho na rede pública onde, como um Deus impotente, mas senhor dos destinos, tem que escolher quem vive e quem morre. Sem perder, entretanto, a capacidade de enternecer-se com os que necessitam, os que dependem do seu amparo, com os que, fragilizados pela doença e pela dor, necessitam do abrigo de sua sabedoria salvadora. Isso tudo, sem tornar-se vaidoso em excesso e sem esquecer que seu saber é sempre menos do que o necessário, finito, e mutável. E que, por isso mesmo, a busca da precisão – este eterno moinho- deve ser sua única obsessão permanente e interminável.

O médico, no entanto, mais que o reparador do corpo precisa ser, especialmente nestes dias difíceis e angustiados em que vivemos, um ouvinte da alma alheia, afinal, seu consultório, sempre é um confessionário, onde se debruçam sonhos, amores, dores, sofrimentos; onde se conjuga a fragilidade e a esperança, onde se desabafa e se busca a libertação dos silêncios que oprimem. Ao médico, o gênesis e o luto, são pontos cardeais. E o sigilo e silêncio o legado de Hipócrates, da ética e da lei.
Por tudo isto o médico precisa ser feiticeiro, altar, sábio, protetor, parceiro, convincente, acessível, paciente, hábil, e, eficaz. Absolutamente eficaz. Precisa ser franco, sem ser rude; ser afetuoso, sem ser melodramático; ser frio, ocasionalmente, sem ser indiferente; ser leve, sem ser enganador; ser preciso, sem ser insensível. É preciso ser muitos, tanto quanto são os humanos, para ser o médico de todos, ainda que ao fim e ao cabo, seja um só.
De tão diverso ser que é, tão exigido, talvez, o médico queira apenas que você não esqueça que ele também é humano e que, como todo humano, sente dor e alegria, afetos e faltas. Por isso, na próxima consulta, ao invés de chamá-lo apenas de doutor, aproveite e o chame também de amigo, afinal, vocês, cúmplices, terão sempre algo irrepetível, em comum: a vida.

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