* Bisavô *
Ainda vive a emoção daquele instante. Foi em final de tarde do janeiro-verão, seco e inclemente de 2005. Eu e alguns amigos, hábito regular de então, esperávamos a infalível brisa vespertina das noites de São Gonçalo dos Campos. Sobre a mesa, no “calçadão” central, pródigo em bares, água de coco, cerveja e uísque traduziam a diversidade de gostos. Desfrutava meu charuto das ave-marias.
Enquanto baforava e ouvia os interlocutores, fui ao carro buscar o celular que lá deixara, quando constatei uma chamada não atendida. Isto comigo, é mais ou menos normal. Não me apaixonado por tal comodidade, esqueço-a nos mais diversos lugares. Aliás, vivendo no interior, o celular só serve mesmo para receber telefonemas. Pouco o uso.
Afinal, pensem bem, em minha cidade onde anda-se de sandálias, de bermudas, “sem lenço e sem documento” - até sem dinheiro -, para que um celular? Aqui, é coisa para a rapaziada. As meninas adoram tê-los enfiados nos bolsos traseiros de seus apertados jeans, apertando-os mais ainda. Gostoso de ver. Difícil de entender.
Os celulares de então, ainda não dispunham do dispositivo identificador do nome do interlocutor; registravam apenas o número de quem ligara. Ao checá-lo vi ser da área código 31.
“31? Indaguei-me. Deve ser um dos clientes mineiros. Logo mais, ao chegar em casa, ligarei para ele”. E com outro charuto e o celular às mãos, retornei à mesa e à conversa amistosa.
Não se passaram dois minutos e tilinta nova chamada. O mesmo número. Prontamente atendo. “Alô vô! Aqui é sua neta Cristiane, estou ligando para dar uma notícia”.
O coração bate forte. Afinal, embora de forma regular fale, por telefone, com oito dos meus dez filhos não residentes em São Gonçalo, falar com netos é coisa bem mais rara. A recíproca, mais ainda. A gente, nessa hora, sempre pensa no pior.
“Vô! Estou ligando para avisar que o senhor vai ser bisavô! Estou esperando o senhor vir a Belo Horizonte em setembro, quando o nenê vai nascer!”
Despenquei! Emudeci! Lembrei-me, quando com 37 anos, recebera parecida notícia, também telefônica, informando-me que iria ser avô.
O resto não é preciso contar. Finda a ligação, acendi um dos melhores charutos da minha vida e, na companhia dele e dos amigos, ficamos em comemoração até noite avançada.
De fato, o nenê não veio a nascer em setembro; o parto aconteceu em agosto e foram duas garotas, minhas bisnetas gêmeas, primogênitas, a completarem 18 anos, maioridade portanto, em agosto de 2023.
Abraços do amigo e bisavô, sim senhor.
Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista,
cronista, ex-diretor das fábricas de charutos
Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel,
vive em São Gonçalo dos Campos – BA.
Nenhum comentário:
Postar um comentário