sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Sanidade

Sim, eu queria escrever sobre a beleza das mulheres no verão que começou e das moças em flor que flanam em busca da selfie perfeita que lhes traga o príncipe malhado, motorizado, abonado e desocupado, que lhe dê uma temporada de cama e mesa satisfatória;

Sim, eu queria escrever versos delirantes sobre amores impossíveis, contar histórias dos trigais que habitam o dorso das amadas, das notas musicais que compõem as sinfonias inacabadas e que elas recitam em suas bocas únicas;
Sim, eu queria escrever que as amizades são imprescindíveis e combinam como pizza com guaraná, coca-cola com acarajé, mão com mão, e que elas devem ser preservadas em concessões e gestos de confissão;
Sim, eu queria escrever como é andar sem medo, comprar sem receio, pagar sem temor, dormir no banco da praça, sem ser vagabundo, não ter pânico do escuro, aprender a fazer chiclete de bola, ajudar São Jorge a derrotar o dragão, espetar os moinhos de ventos das incertezas, dos temores , das escolhas, como um Dom Quixote imortal;
Sim, eu queria escrever garantias aos meus filhos que o futuro é ameno e contar dos risos que abarrotam os caçoás e que estão guardados para eles no tempo e nas coisas que vem - Ana Luisa Oliveira, em Londres e Átila Andrade De Oliveira em Salvador, ou no Groove-, e dos saberes que aprendi nos discos, na rua, na chuva, na fazenda, e que eles guardassem esse amor como sua verdadeira e única benção e legado;
Sim, eu queria escrever pedindo que vc que leu até aqui, também me abraçasse como lhe abraço e lembrasse que de algum modo eu ocupei este instante em seu coração e é assim que devíamos entrar sempre na janela ou na vida do outro;
Sim, eu queria escrever tudo isso, mas vou sendo tangido pelo que me cerceia e urge, por um mundo tenso que vai tecendo indiferença, banalização e individualismo, nos levando a desumanização cotidiana, a erosão da alma, e ao pudor do olhar do outro, e, eu, então, me desvio lutando outras lutas com as palavras, na luta mais vã...
Eu queria apenas que não perdêssemos as rédeas...

Nenhum comentário: