O que não sabemos, são muros invisíveis que escondem de nós as grandezas, realçam as miudezas, e apartam a alma da carne. Nunca nos deslumbraremos com o que Michelangelo pintou no teto da Capela Sistina se não soubermos que temos de olhar para o alto. Atualmente, o desconhecimento não é mais um direito, mas o mundo, no passado, por vezes, não ia além do quintal.
Quando fiz dez anos - tabaréu crescido sem luz entre o carro de boi e os currais- meu pai decidiu que eu devia estudar na capital. Ele era um homem objetivo, quase seco. Sua filosofia de vida era o lema: o que precisa ser feito, tem de ser feito. Suas atitudes, originárias de quem teve uma vida difícil, eram fundamentadas na necessidade e não no sentimento sobre a necessidade. Como não tínhamos parentes em Salvador ele descobriu uma senhora que tinha uma pensão perto do colégio e decidiu que lá seria meu lugar. Dona Aidyl, havia enviuvado cedo e optado por montar uma casa para estudantes, o que lhe rendia o sustento e, desconfio, compensava a falta de filhos, afinal, viver é estar sempre em busca de algum reparo.
Não houve conversas em casa sobre minha ida ou se houve eu não era parte a ser considerada. Minha mãe comprou umas roupas novas e a farda do colégio. No domingo, antes das aulas, meu pai foi me levar. Minha mãe só iria na visita mensal que me faziam.
O pensionato ficava em um edifício localizado em uma encosta. O apartamento era no segundo subsolo - uma surpresa da arquitetura - e tinha uma varanda. Eu não sabia que haviam outros subsolos além dos nossos.
Era a primeira vez que eu ia ficar longe de pai e mãe e dormir, encabulado, em uma casa de gente estranha e sem conhecer nada. Estava apavorado, mas na severidade de meu pai não cabia medos. Ele havia passado coisas mais duras e piores. Seus afetos eram expressos no triângulo proteção, instrução, sustentação, e não em acolhimentos ou ternuras, mas naquele momento ele era meu fio de Ariadne no labirinto que se instalava. Meu coração era só o coração de um menino da roça.
Então, ele se despediu e saiu. Corri para a varanda e olhei para baixo para vê-lo alcançar a rua. Esperei, e ele não passou. Não entendi. Não o vi e isso foi o que faltava. Chorei discretamente, mas me refiz para não passar vergonha. Acho que ele não aceitaria. A saída do prédio era dois andares acima. Acima! Impossível vê-lo.
Eu não sabia que existia o teto da capela. Saí da varanda e, tímido, não perguntei nada. Foi a primeira vez que perdi meu pai de vista e tive que enfrentar os medos sozinho. Um dia o perdi de vez, mas, calejado, já sei que ao precisar vê-lo, por um temor qualquer, tenho de olhar para o céu. Para o teto da Capela Sistina.
*𝗖𝗲́𝘀𝗮𝗿 𝗢𝗹𝗶𝘃𝗲𝗶𝗿𝗮 - Feirense, médico, professor, apaixonado por palavras, pessoas e a vida. Sou de mato, vinhos, cafés, pratos, prosas - falada e escrita. Essa tem sido minha receita
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