*Volto a ser meu pai*
Quando
de minha infância, vivida
em terras do sul, meu pai corrigia os ‘gauchismos’ do linguajar daqueles tempos:
os tais vícios de linguagem.
-
“Não se pronuncia ‘mans’ e sim, mas”. – dizia ele.
-
“Que negócio é esse de ‘armanzém’”?
-
“O certo é armazém, guri!”
– reclamava.
-
“Onde aprendestes a dizer ‘muinto’”?
- “A pronúncia correta é muito.”
– eu ouvia toda
hora.
Assim, as correções estendiam-se por outras tantas palavras, mal pronunciadas, na pureza de meus primeiros anos.
As marcas do
aprendizado ficaram. Por este motivo, creio, passei a nutrir certa mania de
perfeição no trato do falar e do escrever, melhor dizendo, do palavrear. Em consequência,
sempre agi de igual forma com meus dois filhos ‘fins de rama’. Felicitava-me e
alegrava-me quando eles incorporavam palavras bem pronunciadas nos seus
vocabulários em formação.
Outro hábito, não
relevado pelo velho era falar em voz alta.
-
“Não grite, menino!”
– esperneava sempre.
- “Isto é falta de educação!” – sentenciava.
Hoje, embora a fonoaudióloga
haja diagnosticado discreta perda da audição, fruto da própria idade, também padeço
com pessoas altissonantes a meu redor.
Parece ter sido castigo.
Cá, na minha querida
São Gonçalo dos Campos da Bahia, lugar reservado pelo destino para o viajar da
velhice, é ‘cultural’ falar, rir, ouvir música em exagerados decibéis.
Tenho indagado a meu
charuto-conselheiro quais as origens de tais comportamentos.
No tangente à música, até
compreendo. Os trios elétricos, com seus enormes e bem providos alto-falantes impuseram
o costume. As pessoas deixaram de ouvir música para si mesmas, passaram a
sonorizar para os outros viventes, os quais de forma compulsória, convertem-se em
ouvintes dos gostos musicais de terceiros.
Quanto a falar em brados
estridentes - tido pelo velho como falta de educação – disse meu charuto, ser ‘questão
cultural’, sendo de bom alvitre com ela me acostumar, apesar de contrafeito.
Assim é, aprendi a me
divertir quando duas pessoas - cá todas se conhecem - encontram-se vindo por
direções e passeios opostos. Metros e metros antes de se cruzarem, seguem em
frente, a gritos concomitantes, falando sem cessar e girando cabeças, após uma haver
passado pela outra. Claro, para tanto haja pulmões!
Nos bares da vida, a mesma
coisa. Todo mundo, caso queira e sem esforço, poderá escutar conversas alheias e
se, em tal cenário, acrescentarmos músicas simultâneas, vindas de tonitruantes fontes,
fácil imaginar o quase pandemônio.
Meus meninos ‘sofrem’, pois
por força dos exemplos vistos no dia a dia, acostumaram-se a falar em tom acima
do ‘normal’.
Corrijo-os o tempo
todo. Volto a ser meu pai.
Hugo A. de
Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos
Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos –
BA.
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