
Evidente que povo colombiano dando força a Chape; o Scully, de
Clint Eastwood, em cartaz, sobre o piloto que pousou um avião no rio
Hudson salvando todos os passageiros; a Lagoa Grande salva e a Rafa
Gomes cantando História de uma Gata, em The Voice Kids, nos digam que as
coisas não foram tão ruins.
É bem provável, no entanto, que este seja o ano em que tomamos
consciência que em verdade, nos tornamos, todos, refugiados. Não só os
que tentaram chegar a qualquer lugar do mundo, fugindo da barbárie e das
mesquinharias ambiciosas dos que mandam e das grandes potencias que
disputam espaço e influência, usando o terror e sendo vítimas dele, mas
refugiado do cotidiano que nos legamos. Estamos refugiados em cotas,
clubes, religiões, discursos, minorias, grupos de watts app, faces,
partidos, comportamentos. Refugiados pelas grades reais – que tentam nos
proteger da violência física-, e grades imaginárias- que tentam isolar
os diferentes-, como se apenas em nossas escolhas houvesse certezas e
razões e fossemos movidos- ou reduzidos-, a intolerâncias e
aniquilamentos.
Este foi o ano que um comercial mostrou que presidiários
passam mais tempo livres nos banhos de sol do que nossos filhos,
refugiados em redes sociais, jogos eletrônicos, condomínios
auto-suficientes. E o ano que tivemos a certeza que estamos nos
refugiando na solidão eletrônica, para não nos abandonarmos ao amor,
para não abrirmos mão de algum direito pelo outro, pedindo asilo nas
relações de curto prazo que não exigem renúncia, nem esforço, mas nunca
alcançam a glória de um amor realizado.
Foi o ano em que a corrupção endêmica nos escandalizou,
dilapidou, apartou, mas agora, que estamos concluindo o bota-fora deste
ano fuleiro, talvez seja a oportunidade de nos revermos, de romper o
rancor cotidiano, antes que sua erva dilacerante se espalhe, e
abraçarmos os amigos, fazendo as condescendências necessárias; de
beijarmos a quem amamos como se houvesse intermináveis amanhãs, como se
ainda fosse o primeiro; de alimentar os filhos de liberdade e dever
filial; e concedermos, então, o visto de permanência ao melhor de nós
mesmos, como se fosse o derradeiro refugiado. (Publicado no Tribuna Feirense)
Nenhum comentário:
Postar um comentário