sábado, 16 de abril de 2022

 


*Bem diferente*

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Manuel Bandeira – “Vou-me embora pra Pasárgada”


            Está pendurado, em uma das paredes do recanto ao qual, carinhosamente, chamo de ‘lítero-charuteiro’. Digo ‘lítero’, por nele brotar boa parte de minhas enfumaçadas crônicas e digo ‘charuteiro’, por suas paredes estarem impregnadas pelo aroma de meus charutos.

         Pois é. Nele - falo quadro - vejo nós. Não, não! Não estou falando de nós, pronome plural da primeira pessoa. Falo do plural de nó, aquele “abraço apertado, um sorriso dobrado, um amor sem fim”.

 Não vou individualizar os nós do quadro. Seria tão enfadonho, quanto tratar dos nós da vida. Fico, apenas, com o nó de forca, o nó direito, o nó de frade, o nó de moringa, o nó torto e o nó de correr. Há anos namoro tais nós, prometendo-me sempre aprender (des) fazê-los. 


Pura ilusão. O namoro dos nós tem sido o curtir teimosa saudade de meu filho que se fez ao mar no alvorecer da vida e que, após 25 anos navais, desligou-se da tropa. Embora sentimentalmente atado à vida marinheira é, hoje, comum mortal. Sem farda, nem fardão. Só pijama e remoídas lembranças pirogravadas de datas cívicas.

         Lembro, ainda. Ele telefonou do Rio, à noitinha de um sábado de março do distante 2006, ao festejar dos meus 65 anos. Feliz da vida. 

” Pai! Tenho boa notícia! Meu pedido de ‘baixa’ da Marinha foi aprovado! Vou-me embora pro Recife!”

 Tal “Vou-me embora pro Recife” evocou-me outra partida: o “Vou-me embora pra Pasárgada” de Manuel Bandeira. Meu filho sabe, disse-lhe com outras palavras, para ser feliz em Pasárgada, no Recife ou onde seja, terá de aprender a desatar os ‘nós’ atados naqueles marítimos 25 anos, os quais, a contragosto ou não, o tempo no mar impôs-lhe a obrigação de fazer.

 A vida em terra firme, fora dos navios, é outra história.

É diferente e ele, o primogênito dos filhos homens – nascido em 1962 – bem sabe disto.

 Que também, o digam meus charutos.

 

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

 ([email protected])

Nenhum comentário: