sábado, 30 de abril de 2022

 


*Caixas de sapatos*

 

Antes de passar a fumar charutos,

eu não tinha estas feições paternas.

 

Era eu, sim,

uma mistura que,

a depender dos olhos de quem via,

com a mãe ou com o pai me parecia.

 

Fui me perdendo aos poucos, de minha mãe, sem o sentir.

Acho que com ela, na verdade, nunca estive.

 

Nem mesmo quando resolveu partir

fui lhe deitar a derradeira flor

nem derramar a derradeira lágrima.

 

Dela, os traços ficaram aprisionados

em fotos do passado,

para outras mãos passadas,

em velhos baús guardadas,

em álbuns,

em caixas de sapatos.

 

As fotos, muito antigas,

das coisas há tempos perdidas,

o foram em preto e branco.

 

Para dizer-se o que passou,

outra cor não se precisa.

..............................................

 Eu não tinha estes cabelos brancos.

 Eram fartos,

foram grandes.

Eram pretos,

foram presos

em fotos do passado,

para outras mãos passadas,

em velhos baús guardadas,

em álbuns,

em caixas de sapatos.

..............................................

 Eu não tinha essa força estranha

De retratar-me passo a passo.

 

Eu não tinha tempo no passado.

Para ver filhos crescerem,

para estar com os meus,

para dizer que os amava.

 

A tudo aprisionava

em fotos muitas, coloridas,

para outras mãos passadas,

em velhos baús guardadas,

em álbuns,

em caixas de sapatos.

..................................................

 Para que tantas fotos, se nem sei por onde andam

as caixas de sapatos?

 

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

 ([email protected])

Um comentário:

Dina Lopes disse...

Infelizmente, é assim que a gente se sente muitas vezes quando paramos para tentar viver ou reviver o passado e, vezes por outras, não sabemos onde nem como aconteceu tudo aquilo