Autocrítica
A bondade de certa
Rosa, com inicial maiúscula como convém – minha finada revisora textual - ao
percorrer o jardim mal ajambrado de minhas flores, abelhas e corredores - com
extrema delicadeza alertou para descuidos e senões meus, enquanto jardineiro,
na organização de meus floridos canteiros.
Envaidecido, pela mesma classificar-me por
razoável cultivador da flor do Lácio, houve por bem antecipar-me a quanto,
imagino, sejam algumas de minhas deficiências.
Sem ter formatura superior em Língua
Portuguesa, fui intenso missivista de mesmices, corri mundo e belo dia,
escritor convertido em pretenso plantador de jacarandás. Sei como ninguém,
jamais os verei chegar às nuvens.
Agradecido, pelo privilégio da rosa-rara
florir no jardim de meus pensares, alertei meus gêmeos castanhos para não se
embriagarem por vaidades e queiram ver na maçã desvirginada por minha mordida,
a fruta provada pela primeira Eva. De além a aquém, imemoriais tempos nos
separam. O então maçã, ao singelo balanço das pálpebras, talvez não mais o
seja.
Empenho-me na busca da precisão verbal, valho-me,
ocasionalmente expressões veementes - flores raras - para definir sentimentos
justos, mas evito-as quando porventura, comprometam o bom gosto.
Mesmo tendo em conta muitos considerarem
pedantismo, vez em quando curto o emprego de vocábulos rebuscados, raros ou
regionais, desconhecidos do grande público. Para mim, trata-se de recurso para
atingir estilo próprio, não jornalístico nem coloquial. Faço-o para alertar
quanto à riqueza do idioma frente ao comodismo da maioria, anos a fio sem
consultar um dicionário. Nem todas flores, a todos agradam.
No campo da pontuação, costumo produzir
anomalias botânicas ao apartar a flor e caule – leia-se sujeito e verbo – com
certa frequência. Desvarios causadores de eventuais distorções no sentido da
frase, facilmente captáveis por quem leia com a devida atenção.
Onde reside a causa do erro? Sirvo-me,
mentalmente, de recurso-cacoete aprendido como se estivesse a redigir para um
locutor radiofônico. Ao cursar jornalismo, finais dos anos 80 – curso
inconcluso por haver transferido residência para o interior – na disciplina
‘Rádio’, aprendera a editar as notícias para a locução. Em lugar de vírgulas e
quejandos, empregavam-se barra simples; em vez do ponto final, barra dupla.
Além disso, ou seja, das barras em função da pontuação, outras mais eram
acrescidas tendo em conta as pausas respiratórias do locutor. Assim, mal
costumei-me ao escrever, fazê-lo na cadência de uma locução radiofônica e,
volta e meia, prodigalizo o uso da pontuação. Erva daninha em meio aos
canteiros. Às vezes, também incido em indevida duplicidade. Ao destacar um
aposto explicativo – como agora – imponho desnecessárias vírgulas.
A palavrinha “se”, em dados momentos, soa como
indesejada flor. Que flor é essa? Pronome ou conjunção?
Tentarei explicar a duvidosa escolha. Entre os
vários empregos da palavrinha, um a considera “partícula de realce ou
expletiva”. Em tal caso seria possível retirar-se o pronome da oração, sem
ocorrer alteração do significado. Penso (digo “penso”), posto não ser versado
em tais sutilezas, seu emprego, em determinados momentos, enquadrar-se-ia em
tal caso. Ao menos em meu sentimento – enquanto escritor – isto se me acontece.
Certo ou errado?
Passemos ao canteiro da harmonia cromática,
importante detalhe relativo à concordância verbal. Um dilema persegue-me ao
labutar com o emprego das segunda e terceira pessoas do singular.
Vezes há, nas quais, distraído, valho-me dos
dois tratamentos no mesmo texto, com a maior naturalidade do mundo. Explico, a
fonte da incorreção da qual penitencio-me, sem com tanto justificá-la: fui
criado no estado gaúcho, em tempos quando ‘Tu’ era o tratamento na interlocução
íntima.
Anos após, com o advento da televisão, o Você
coloquial popularizou-se, superpondo-se ao Tu até então dominante. Eu, apesar
de distante de onde nasci há mais de meio século, ainda guardo as velhas
sementes, por descuido, volta e meia deitadas à terra. Falha da qual me redimo,
malgrado ao migrar o Tu à tona, hora ou outra, aplicar a flexão verbal na
terceira pessoa. Um descalabro!
Por último - o passeio já vai longo - rápido
olhar quanto às flores semeadas com abusiva frequência. A aliteração (¹)
em busca da eufonia; a anástrofe, (²)para não incidir no
hipérbato (³) e a diáfora, (⁴) vocábulos
gêmeos, homógrafos ou homófonos, embora em sentidos diversos.
Dúvidas? Destaco uma.
A flor alusão, (⁵) como apresentar a
intercalação de texto de terceiros? Em itálico
ou entre “aspas”? A norma é válida para autores nacionais e estrangeiros?
“Artimanhas” do escritor?
Contornar o “queísmo”: suprimir, quando seja
possível, o vocábulo ‘que’ por palavras como “tal”, “certo/a”.
Ser comedido no emprego do gerúndio.
(“gerundismo”)
Examinar os pronomes indefinidos empregados e,
quando possível, eliminá-los.
Evitar o uso casado do artigo definido com o
pronome possessivo. O mais das vezes, a simples eliminação do artigo, eleva a
qualidade da escrita.
Reduzir, ao máximo, o emprego da palavra
“não”.
Privilegiar o verbo haver ao verbo ter.
Limitar o emprego de pronomes possessivos.
Ler, ler, ler, ler.
Plantar, plantar, plantar, plantar.
Bem, alonguei-me em demasia.
Mas, como sirvo-me de qualquer oportunidade ou
assunto para redigir um texto...
Abraços.
1. Aliteração –
Repetição do mesmo som ou sílaba em mais de duas palavras, dentro do mesmo
verso, estrofe ou poema. A repetição, no geral, dá-se em sílabas ou fonemas
iniciais. Quando a repetição se dá no final, chamamos de eco. A aliteração é caracterizada por recorrer em fonemas consonantais.
Contudo, pode ocorrer em fonemas vocálicos. Porém, ao contrário do que pode
supor-se, o fenômeno não se dá entre letras e sim entre sons. Daí seu efeito
onomatopaico que pode levar à eufonia, como resultado positivo, e à cacofonia,
como resultado negativo.
Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.
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