domingo, 17 de abril de 2022

 


* Atotô, meu pai! *

 

             Ora, submetemo-nos às regras de distanciamento social as quais pouco me atingem por nelas enquadrar-me desde quando, em termos cronológicos, estacionei na marca do pênalti. Se tal afastamento fosse virtual, aí sim, o caldo entornaria. 

Na parafernália pandêmica os mais atingidos, em minha singela família, foram os dois derradeiros filhos. A suspensão das aulas presenciais se, por um lado, priva-os do convívio com companheiros de faculdade, por outro, retém-nos ao lar, inundando-o com suas presenças. Em meu caso – retomo o fio da conversa –, a única alteração do modus vivendi foi, por uns tempos, não comparecer ao cafezinho nas estertoras horas da madrugada. 

A tal abstenção associou-se o velho parceiro e compadre Tote Leal, 84, – vate das antigas - e o avesso de meus pendores socialistas. Tote, ao emergir no lago das amizades, fugiu a seu estilo métrico-poético e prosou sobre as atuais cercas sociais. Nada antecipo, pois o amigo permitiu fizesse chegar seu trabalho a meus leitores. 

Como as relações virtuais seguem inalteradas, os portais eletrônicos permanecem abertos apesar de sujeitos a ataques de vírus os quais, se não atentam contra vidas, costumam ocasionar prejuízos e nos tirar do sério.

         Neste contexto, mil portas físicas cerradas, entre tais as dos terreiros, centros de culto do Candomblé. Isso, ante um olhar apressado, impediria práticas invocatórias a Omulu, divindade evocada pelo povo de santo para livrar-nos das enfermidades. 

Além de aos médicos e à Ciência, a quem recorrer - neste mar de incertezas, - a respeito de nossa saúde? Quem poderá safar-nos de tanta dor? 

Heróis existem para nos salvar, anotei certa feita. Para os devotos do Candomblé, o herói veste palha da costa da cabeça aos pés, carrega uma lança coberta de nervuras das folhas do dendezeiro e tem o poder de sacar do planeta qualquer enfermidade. Tal herói, o orixá da cura, atende pelo nome de Omulu. 

Saudado com um simples Atotô!, Omulu agora é a divindade mais presente nas oferendas individuais de mães, pais, filhos e filhas de santo; para agradar ao orixá, muito doburu, ou seja, pipocas em iorubá. 

Tanto pouco sendo, o povo de santo, ao rogar saúde para a humanidade, também recorre à proteção de Obaluaiê, outro orixá ligado às doenças e à salvação. 

“Juntos, são os senhores donos da Terra e trazem com eles a cura”, ensina Mãe Mariah de Oxum, do terreiro Raiz de Airá, em São Félix, cidade ligada a Cachoeira pela histórica ponte sobre as águas do mais genuíno rio baiano, o Paraguaçu. 

Enquanto isso, eu aqui, a distância, na lentidão trôpega provocada pela sedução das amigas louras, exalto a beleza murcha dos 86 anos de Mãe Mariah; trago Tote à tona com seu texto; invado a privacidade de quem me lê e, para encerrar como convém, saúdo Omulu.

 

Atotô, meu pai!


 

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