domingo, 11 de dezembro de 2022


 Por Quem Os Galos Cantam

Por quem os sinos dobram, todos sabem.

Em 1940 E. Hemingway, movido pelo som que traz a morte à mente, intitulou sua obra-prima sobre vidas ceifadas pela Guerra Civil Espanhola.

O romance virou filme em 1943 e, em 1947, foi vertido ao português. 

Afinal, por quem os galos cantam? 

Poucos dias atrás, o amigo mineiro Jotapê, surpreendido pelo matinal canto de um ‘galo eletrônico’, deixou-me saber de sua admiração por tais aves. Para retratar o relatado, melhor será reproduzir suas palavras. 

“No mundo animal há vários mistérios que mexem com o imaginário das pessoas, e um deles é porque o galo canta todo início de manhã. Diferente do que muitas pessoas pensam, os galos não cantam para atrair as fêmeas, mas assim como em outras espécies, o cantar do animal está relacionado a diversas funções, como parte do instinto básico de exercer e manter controle sobre um espaço determinado. Além disso, existem fatores externos, como barulhos e alterações de luminosidade”. 

 “Pesquisas apontam que, no caso dos galos, a cantoria é feita para mostrar quem manda no espaço, que pode ser um galinheiro, ou em uma população, nesse caso as galinhas, por exemplo. O cacarejar matutino tem como objetivo mostrar para todos que o ouvem que ainda está vivo e que continua no comando. Apesar de parecer muito cedo para os humanos, o horário que os galos cantam, antes mesmo das fêmeas deixarem os ninhos em busca de alimento, entre 03h e 05h, é o horário normal de despertar para esses animais, já que são aves que possuem hábitos diurnos, que dormem e acordam cedo.” 

” Além de emitir um canto com vigor que pode assustar outro galo que esteja por perto, o animal possui ainda outras características especiais que são utilizadas para impor a sua autoridade, como o inchaço e a mudança na coloração da crista. No entanto, o cantar do galináceo não tem como objetivo somente a manutenção do controle de um local”. 

” Em 2013, pesquisadores da Universidade de Nagoya, no Japão, realizaram experimentos em diversos galos com a intenção de encontrar respostas sobre os motivos de tanta cantoria. Os testes envolveram a exposição dos animais em diversos ambientes, por várias semanas, com o objetivo de identificar a reação dos galináceos à diferentes estímulos. Tentando enganar as aves colocando-as em ambientes com muita ou pouca luz, som alto e em espaços adversos, os pesquisadores compreenderam que os galos possuem um relógio interno que reage a diversos fatores externos, o que justifica o cacarejo não somente pela manhã, mas em diferentes horários durante o dia”.

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Valho-me ainda da memória do autor das linhas acima, quando sacou do empoeirado baú, tio Galdino e seu galo. Galdino e galo, palavras por mim trocadilhadas: Galindo, desdobrada resultou em Galo Lindo, o galo de tio Galdino. 

Ouçamos Jotapê, mais uma vez. 

“Galos me emocionam desde menino, em Ubá, onde havia rinhas. Meu tio Galdino, criador, um apaixonado, possuía vários, engaiolados em seu terreiro, aonde eu ia me regalar assistindo brigas-treino (com esporas guarnecidas), recuperação de feridos em combate... Em rinhas oficiais ele, meu tio, me levava para assistir sangrentas brigas à vera, onde se faziam apostas, negociavam galos e tabelavam brigas futuras. Havia galos afamanados: Capitão Galdino, imbatível galo desse meu tio era um deles, de porte altaneiro, peito empinado, canto curto e forte, valentia, tudo me encantava. Galo Índio”.

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Esclarecidos, o ‘porquê’ de os galos cantarem e a emoção do narrador pela ave e seus entreveros, prossegui na dúvida de ‘por quem’ os galos cantam.

 Minha experiência com galos e seus embates, limita-se a certo sábado quando, eu e mais dois amigos, fomos ao Bar de Cabel - popular ponto de encontro são-gonçalense - disputar afamada sopa matinal. À época, ainda funcionavam às noites das sextas feiras, duas ou três rinhas clandestinas. Ao saber ser tal sopa feita com galos vencidos em combate, meus pés recusaram-se lá levar-me novamente. 

Sopa vindo à tona, deixemos de lado os desentendimentos galináceos e ‘viajemos na maionese’ 

Venham comigo, amigos.

Saiamos por instantes da cozinha,

Acomodemo-nos ao sofá da sala. 

O galo excede em quantidade e variedades todas as espécies da fauna, sendo a de maior porte e insistência de detalhes cromáticos. Altivo, majestoso e vigilante é celebrado mundo afora em contos, cantos e superstições. 

Juntos, iremos tentar desvendar, pano de fundo o canto (ainda natural e não eletrônico) que todos, em suas vidas, têm ouvido. Mais ainda, por viventes, como eu, quando a noite velha cede espaço ao despertar do dia. 

O galo cantador

tido por ‘Galo dos Ventos’.

Desde medievais tempos,

Rosa dos Ventos

indicando os pontos cardeais.

Encimada pelo perfil de um galo,

empoleirado no cume de templos e mosteiros,

ao alto da torre católica,

acima dos sinos e seus dobrados,

balizando a direção eólica.

 

Os galos irisados, multicoloridos,

Desde tempos esquecidos,

por ‘Profetas do Tempo’ conhecidos.

Os velhos viam na cantoria:

aos demônios, um espantalho;

ao dia, muita alegria;

aos homens, rumo ao trabalho.

 

Em Barcelos,

Portugal,

o galo é símbolo,

folclórico nacional.

‘Galo de Barcelos’.

De cromática beleza

Uma lenda portuguesa.

Com certeza.

 

Pertinho a nós,

em Pernambuco,

canta-se um ‘Hino ao Galo’.

Ei pessoal,

vem moçada!

Carnaval começa

no Galo da Madrugada’.

Um galo maior que o ‘Galo Índio Gigante’,

Variante nossa, chega a pesar oito quilos.

 

No Japão, em jardins da nobreza nipônica,

certa variedade ornamental,

recebeu uma honraria:

‘Monumento Natural Nacional’.

 

No rito católico,

a ave foi elevada aos andores e altares,

por volta do ano 400, na província espanhola de Toledo.

Cada lavrador, na noite do Natal, doava um galo

a ser oferecido aos pobres para a ceia natalina.

O rito anunciador do nascimento de Cristo,

ficou conhecido como ‘Missa do Galo’.

 

Reforçando o tempero da história - já longa,

no passado e no presente, o galo ao cantar nos arremete:

ao arrependimento de Pedro ao negar o Cristo;

ao clero para a importância da constante vigilância;

à divindade de Jesus, quando dela duvidavam. 

Assim, ante panorama de multifacetada simbologia e e de significados vários, imagino galos cantarem para todos, cristãos ou pagãos, crentes ou descrentes. 

Todavia, será só isso? 

Meu pensar agora aflora.

 Galos cantam para sacudir suas penas.

Como nós, humanos, o fazemos,

para espantar nossos penares.

Afinal, a sabedoria popular conta:

“Quem canta, seus males, espanta.” 

Aos mortos, fala o dobrar dos sinos.

O cantar dos galos mira os vivos.

 Sendo os vivos, os alvos do bel canto,

Claro, portanto,

haja atrás de tal (en)canto,

das histórias que narrei, um tanto.



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