Por quem os sinos dobram, todos sabem.
Em 1940 E. Hemingway,
movido pelo som que traz a morte à mente, intitulou sua obra-prima sobre vidas
ceifadas pela Guerra Civil Espanhola.
O romance virou filme em 1943 e, em 1947, foi vertido ao português.
Afinal, por quem os galos cantam?
Poucos dias atrás, o amigo mineiro Jotapê, surpreendido pelo matinal canto de um ‘galo eletrônico’, deixou-me saber de sua admiração por tais aves. Para retratar o relatado, melhor será reproduzir suas palavras.
“No mundo animal há
vários mistérios que mexem com o imaginário das pessoas, e um deles é porque o
galo canta todo início de manhã. Diferente do que muitas pessoas pensam, os
galos não cantam para atrair as fêmeas, mas assim como em outras espécies, o cantar
do animal está relacionado a diversas funções, como parte do instinto básico de
exercer e manter controle sobre um espaço determinado. Além disso, existem
fatores externos, como barulhos e alterações de luminosidade”.
” Além de emitir um canto com vigor que pode assustar outro galo que esteja por perto, o animal possui ainda outras características especiais que são utilizadas para impor a sua autoridade, como o inchaço e a mudança na coloração da crista. No entanto, o cantar do galináceo não tem como objetivo somente a manutenção do controle de um local”.
” Em 2013,
pesquisadores da Universidade de Nagoya, no Japão, realizaram experimentos em
diversos galos com a intenção de encontrar respostas sobre os motivos de tanta
cantoria. Os testes envolveram a exposição dos animais em diversos ambientes,
por várias semanas, com o objetivo de identificar a reação dos galináceos à
diferentes estímulos. Tentando enganar as aves colocando-as em ambientes com
muita ou pouca luz, som alto e em espaços adversos, os pesquisadores
compreenderam que os galos possuem um relógio interno que reage a diversos
fatores externos, o que justifica o cacarejo não somente pela manhã, mas em
diferentes horários durante o dia”.
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Valho-me ainda da memória do autor das linhas acima, quando sacou do empoeirado baú, tio Galdino e seu galo. Galdino e galo, palavras por mim trocadilhadas: Galindo, desdobrada resultou em Galo Lindo, o galo de tio Galdino.
Ouçamos Jotapê, mais uma vez.
“Galos me emocionam desde menino, em Ubá, onde havia
rinhas. Meu tio Galdino, criador, um apaixonado, possuía vários, engaiolados em
seu terreiro, aonde eu ia me regalar assistindo brigas-treino (com esporas
guarnecidas), recuperação de feridos em combate... Em rinhas oficiais ele, meu
tio, me levava para assistir sangrentas brigas à vera, onde se faziam apostas,
negociavam galos e tabelavam brigas futuras. Havia galos afamanados: Capitão
Galdino, imbatível galo desse meu tio era um deles, de porte altaneiro, peito
empinado, canto curto e forte, valentia, tudo me encantava. Galo Índio”.
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Esclarecidos, o
‘porquê’ de os galos cantarem e a emoção do narrador pela ave e seus
entreveros, prossegui na dúvida de ‘por quem’ os galos cantam.
Sopa vindo à tona, deixemos de lado os desentendimentos galináceos e ‘viajemos na maionese’
Venham comigo, amigos.
Saiamos por instantes
da cozinha,
Acomodemo-nos ao sofá da sala.
O galo excede em quantidade e variedades todas as espécies da fauna, sendo a de maior porte e insistência de detalhes cromáticos. Altivo, majestoso e vigilante é celebrado mundo afora em contos, cantos e superstições.
Juntos, iremos tentar desvendar, pano de fundo o canto (ainda natural e não eletrônico) que todos, em suas vidas, têm ouvido. Mais ainda, por viventes, como eu, quando a noite velha cede espaço ao despertar do dia.
O galo cantador
tido por ‘Galo dos
Ventos’.
Desde medievais
tempos,
Rosa dos Ventos
indicando os pontos
cardeais.
Encimada pelo perfil
de um galo,
empoleirado no cume de
templos e mosteiros,
ao alto da torre
católica,
acima dos sinos e seus
dobrados,
balizando a direção
eólica.
Os galos irisados,
multicoloridos,
Desde tempos
esquecidos,
por ‘Profetas do
Tempo’ conhecidos.
Os velhos viam na
cantoria:
aos demônios, um
espantalho;
ao dia, muita alegria;
aos homens, rumo ao
trabalho.
Em Barcelos,
Portugal,
o galo é símbolo,
folclórico nacional.
‘Galo de Barcelos’.
De cromática beleza
Uma lenda portuguesa.
Com certeza.
Pertinho a nós,
em Pernambuco,
canta-se um ‘Hino ao
Galo’.
Ei pessoal,
vem moçada!
Carnaval começa
no ‘Galo da Madrugada’.
Um galo maior que o ‘Galo Índio Gigante’,
Variante nossa, chega
a pesar oito quilos.
No Japão, em jardins da nobreza nipônica,
certa variedade
ornamental,
recebeu uma honraria:
‘Monumento Natural
Nacional’.
No rito católico,
a ave foi elevada aos
andores e altares,
por volta do ano 400,
na província espanhola de Toledo.
Cada lavrador, na
noite do Natal, doava um galo
a ser oferecido aos
pobres para a ceia natalina.
O rito anunciador do
nascimento de Cristo,
ficou conhecido como ‘Missa
do Galo’.
Reforçando o tempero
da história - já longa,
no passado e no
presente, o galo ao cantar nos arremete:
ao arrependimento de
Pedro ao negar o Cristo;
ao clero para a
importância da constante vigilância;
à divindade de Jesus, quando dela duvidavam.
Assim, ante panorama de multifacetada simbologia e e de significados vários, imagino galos cantarem para todos, cristãos ou pagãos, crentes ou descrentes.
Todavia, será só isso?
Meu pensar agora
aflora.
Como nós, humanos, o
fazemos,
para espantar nossos
penares.
Afinal, a sabedoria
popular conta:
“Quem canta, seus males, espanta.”
Aos mortos, fala o
dobrar dos sinos.
O cantar dos galos
mira os vivos.
Sendo os vivos, os alvos do bel canto,
Claro, portanto,
haja atrás de tal (en)canto,
das histórias que
narrei, um tanto.
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