segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Crônica de segunda

O Corno

Quando eu morava em Jequié conheci um sujeito que, diziam, era o corno mais antigo da cidade. Segundo meu amigo e colega, jornalista Raimundo Meira, era o “Decorno” da cidade. O corno é uma figura indefectível em toda comunidade que se preze. Creio que quando a mulher foi tentada pelo demônio no Paraíso, ela deve ter achado “um charme” aquele ornato na cabeça do cão e bolou logo um jeito de arranjar um para Adão.

O Corno existe desde tempos imemoriais. Na corte do Rei Arthur, na lendária Camelot, a rainha Guynivere já enfeitava a cabeça do monarca dando bola para Sir Lancelot, de cuja lança ela gostava muito. Aqui no Brasil a história está repleta de cornos famosos. Creio que foi por (má?) influência da rainha Carlota Joaquina que as brasileiras herdaram este dom, esta arte que a brasileira tem de cornear. Eu gostaria de saber, por exemplo, o que se passava pela cabeça de Ana Cunha. Por causa dela, em defesa da sua honra (?!), morreram o marido, Euclides da Cunha e o seu primogênito.

Aqui em Feira de Santana também temos os nossos cornos famosos. Aliás, o assunto já foi tema de seminário promovido pela nossa briosa Uefs: “O Corno, da Besta ao Besta”, uma ideia que só poderia ter sido gerada pela cabeça de uma mulher como Sônia “Capeta”, ela mesma uma artista em enfeitar cabeças. Na época eu divulguei, no Jornal Sempre Livre (de saudosa memória), uma relação com mais de trinta tipos de cornos, ricamente ilustrada por Delman Aquino.

Um dos cornos mais conhecidos aqui da Cidade Princesa, lá pela primeira metade do século passado, se escondia, se estivesse em casa quando o “Ricardão” chegava. Contam que certa vez ele se escondeu debaixo da própria cama, de onde ouviu a mulher pedindo ao “Ricardão”, um rico comerciante, um corte de tecido para fazer um terno para o corno. “Qual a cor que ele gosta? – perguntou o Ricardão. Ante o silêncio da mulher, a empregada, que ouvia tudo atrás da porta, escutou uma conhecida voz, vinda de baixo da cama, responder baixinho: “Azul”.

Existia, e talvez ainda exista, aqui em Feira de Santana, nas margens da BR-324, uma chácara onde se realizava (ou ainda se realiza) o famoso “Baba dos Cornos”. Na verdade, uma brincadeira de amigos que se apelidavam “carinhosamente” de Corno. Tinha “corno” para todo gosto. Era corno magro, corno gordo, corno alto, corno baixo, corno preto, corno loiro, um festival de cornos que, a bem da verdade, não eram cornos. Mas em meio a eles tinha um sim.

Quando a bola rolava, começava a festa. Chuta direito seu corno magro! Solta essa bola seu corno branco! O juiz, claro, também era o corno do apito. O curioso que na hora de se dirigir ao que realmente era corno, gritavam: “Passa essa bola Zé”.

Que foi?  Tavam pensando que eu ia dar o nome verdadeiro do nosso “Decorno?” Nada disso. Até porque esse negócio de corno não existe, é apenas algo que a mulher bota em sua cabeça.

Nenhum comentário: