segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Crônica de segunda

 

A “Levada da Égua”

Eu já contei aqui a história da Levada do Burro Elétrico, promovida por César Cão. Hoje vou contar como foi a “Levada da Égua”, esta promovida por outro amigo, Outran Borges.

Outran veio me dizer que precisava de um reboque para levar uma égua, de Feira para sua fazenda, em Itaetê, na Chapada Diamantina. Coisa de 400 quilômetros.

Eu disse que sabia, mas claro, assim como Caguto, entendia que uma empreitada dessas não se faz assim, impunemente. Propus então arrumar o reboque, contanto que todo um ritual fosse preparado para levar a bichinha.

Pedi ao publicitário Delman Aquino para fazer o desenho (ficou o maior barato) e mandei imprimir nas camisas. Fixamos a data da viagem e escolhemos os nomes daqueles que comporiam a comitiva.

No dia marcado, dos três carros e 15 componentes previstos, restaram apenas dois carros e sete viajantes. Melhor assim. Sem muita confusão. Iniciamos a nossa jornada sócio-etílico-cultural às 8 da manhã de uma quinta-feira, com previsão de quatro horas de viagem. Ainda na Estrada do Feijão, sentimos um tombo e, de um carro que passou por nós, um sujeito avisou que um pneu do reboque havia furado. Meio ressabiados (há tantos assaltos por aí), descemos do carro e verificamos que realmente havia um pneu furado.

É que o reboque, cedido por Moura Pinho, havia ficado muito tempo parado e os pneus se ressecaram. Fazer o que? Daniel pegou o violão, eu peguei a garrafa de uísque e os outros pegaram o macaco, o estepe e chave de roda. Cantamos, tocamos, bebemos e seguimos viagem (ah! O pneu foi devidamente substituído).

Chegando em Ipirá, outro pneu baixo. Mas aí tinha um bar, um posto de combustível, e um borracheiro. Enquanto Outran e Manoel providenciavam consertar o pneu e comprar um novo estepe, eu, Daniel e Milton, tocávamos e cantávamos para distrair o borracheiro.

Pra encurtar a história, quase todos os pneus do reboque (que tinha 4 pneus por eixo) estouraram. Eu nunca vi tanta alegria, por parte de viajantes, por cada pneu estourado. Era uma festa: Estourou um pneu? Uêbaaa! Pega o violão. Pega o uisque. Cadê o tiragosto? Por volta das oito horas da noite a gente ainda estava há uns cem quilômetros do nosso destino, bebendo “brejão”, comendo ovo cozido e tomando banho no rio Paraguaçu.

Chegamos na fazenda Lajinha por volta das 10 da noite. Milton botou a feijoada no fogo (panela de barro e fogão de lenha), e Manoel e Lúcia foram para a fazenda vizinha, não sem antes combinar que, pela manhã, tomaríamos café com eles, e assistiríamos ao jogo de abertura da Copa, entre França e Senegal.

12 horas de viagem, numa viagem prevista para quatro. Fomos dormir por volta da meia-noite, devidamente “badogados”. Pedimos ao vaqueiro, Ramon, para nos acordar às 5 horas. Porém, por volta das 3 eu, pensando que estava sonhando, acordei com os gritos de Milton e Daniel: “Ô Cananeu, vem comer feijão”!

Pensei comigo: Eu tô maluco ou tô sonhando. Levantei e, quando cheguei na cozinha, os dois já estavam com um garrafão de vinho aberto e comendo feijoada. Nada mais pude fazer, senão me juntar aos malucos. Quatro horas da manhã, Outran acordou com nossos gritos: “Ô, Ramom!  Vem acordar a gente, senão a gente não acorda, pô!

Forrados de feijoada, levando garrafas de “Brejão” fomos para a fazenda de Manoel assistir ao jogo. Eu e Daniel descemos do carro, eu com uma garrafa e ele com o violão, cantando: “Acorda Maria Bonita/Levanta vai fazer o café/que o dia já vem raiando/e a polícia já está de pé. Se eu soubesse que cantando/ganhava uma boa golada/eu já vinha lá de baixo/com minha boca escancarada”. Manoel, quando viu a cena passou mal.

É essa a “gangue” que está tramando a “Levada do Burro de Joliel”, para Sergipe. Mas isso é uma outra história. Se eu sobreviver, eu conto.

NE: Publicada no livro A Lavada da Égua (2003)

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