sábado, 17 de dezembro de 2022


 * Vacilações*

Mesmo o mais incorrigível sonhador - na singela rotina de seus dias ou quando ala sonhos - está sujeito a inesperadas crises de desalento. Por sorte, tais ocasiões onde o ritmo do humor se altera, não ocorrem na intensidade da variação da Bolsa de Valores, se assim fosse, pobre coração. 

O sonhador, quando escreve é semeador das mentes de seus leitores, com cogitações amadurecidas nascidas em incontáveis safras. Ao justificar dados valores existenciais, pretende tão somente amparar suas opiniões. Longe, pois, a intenção de mudar pontos de vista diversos, dos leitores. Cada cabeça, uma sentença. 

É claro, comunguei hóstias consagradas; fartei-me de comidas apimentadas; em claro, passei muitas noitadas; encarei (in) contáveis trapalhadas; frequentei mulheres faladas; pisei fundo nas estradas; dei, ao mundo, uma filharada; contentei-me com muitos quase nada. 

Se adeus não disse à vida, não foi por ter tisnada a ideia de sua unicidade. Nosso mundo é dicotômico - cama-mesa, ida-volta, alegre-triste, alto-baixo, cedo-tarde - mas no infinito, não há leito e muito menos ombro para amparar nossas tristuras, nem folhas de papel para podermos externá-las. 

Por ter certeza da existência única, defendo aproveitá-la, para tanto distendo braços quais elásticos e abraço com carinho, a quantos formam o elo de convivência no qual estou envolto. Sejam os próximos, minha mulher e os filhos sob minha guarda; sejam os distantes, parentes, a exemplo das ex-mulheres, mães de meus filhos outros; sejam as pessoas a mim chegadas, pelos desígnios do destino. Falo de gente, atada pelos meus textos, sem conhecer-me em pessoa, com todo direito de discordar de minhas avoadas opiniões. Afinal, quem escreve provoca emoções e assanha sentimentos atavicamente fundados. 

Em tal imbróglio horas há, queiramos ou não, nas quais somos invadidos por uma melancolia roaz e inesperada. Ora, por vislumbrarmos o umbral da morte; ora, por segurarmos a alça da urna funerária de um amigo; ora, por uma pandemia assassina e descontrolada; ora ao nos conscientizarmos não haver volta no tempo nem tempo para dar-se a volta por cima. 

Cada dia é uma nova despedida. Ao olhar para trás, bem no comecinho de minha vida inteligente, dou-me conta existir um mundo de histórias e poemas congelados, à espera do calor da primeira inspiração. Tal olhar retroativo, também tem algo de melancólico. 

Quando os inspiratórios lampejos, teimam em dar as costas, advém um desencanto, alterador do pulsar cordial. Ainda bem, malgrado o coração em descompasso, sob o sol nosso de cada dia, segue o baile. 

Assim, conto com a presença de todos e todas na próxima valsa, anoto meu agradecimento à orquestra de meus neurônios e delego a regência restante do espetáculo às reticências. Estas, pingos de luz na escuridão, hão de cintilar em suas imaginações... . 

 

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

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