quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Por que a confiança em mulheres líderes está caindo, segundo pesquisas

 


Cada vez mais mulheres ocupam cargos de chefia nas maiores empresas do mundo.

Mas as pesquisas indicam que o aumento da representação feminina vem sendo acompanhado por uma queda de confiança nas mulheres em função de liderança. O quadro parece preocupante para aquelas que conseguiram romper a metáfora do teto de vidro que as impede de subir na carreira em áreas dominadas pelos homens.

Em novembro, novos dados do Índice de Reykjavik para Liderança — uma pesquisa anual que compara como os homens e as mulheres são observados em termos da sua adequação a cargos de poder — demonstraram que a confiança nas mulheres líderes caiu sensivelmente em 2021. É a primeira queda deste índice desde que a empresa de pesquisas e análises de mercado Kantar Public começou a coletar os dados, em 2018.

Nos países do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), menos da metade dos participantes (47%) declarou sentir-se "muito confortável" com uma mulher como CEO (diretora-executiva) de uma companhia importante no seu país. Este índice era de 54% no ano interior.

Os homens são claramente os que mais criticam as mulheres líderes. Um a cada 10 participantes respondeu explicitamente que não se sentiria confortável com uma mulher no cargo de CEO.

E as respostas às questões sobre mulheres líderes na política seguiram um padrão similar. Apenas 45% das pessoas questionadas no G7 afirmaram que ficam "muito confortáveis" com uma mulher chefiando seu governo. Eram 52% em 2021.

Embora haja muitas pessoas desapontadas, acadêmicos e especialistas em liderança e gênero, de forma geral, não estão surpresos com as conclusões da pesquisa. Eles têm diferentes teorias para explicar por que a confiança nas mulheres líderes diminuiu.

Mas todos eles alertam que corrigir essa falta de confiança é fundamental para erradicar o preconceito que permeia as companhias e instituições em todos os níveis.

Manutenção do status quo

As explicações para a redução da confiança nas CEOs mulheres variam, mas muitas delas seguem direções comuns. Alguns especialistas argumentam que a misoginia institucional e o preconceito de gênero foram exacerbados pelo recente panorama político e pela pandemia.

Danna Greenberg, professora de comportamento organizacional do Babson College em Massachusetts, nos Estados Unidos, acredita que a saída de muitas mulheres do mercado de trabalho para assumir o cuidado com as crianças e outras tarefas domésticas durante a covid-19 resultou no "fortalecimento dos antigos conceitos tradicionais" sobre o papel das mulheres no trabalho e em casa.

Greenberg acredita que isso teve um efeito multiplicador, tornando o "preconceito contra as mulheres mais socialmente aceitável".

Ela também destaca a tendência humana natural de demonstrar preferência pelo que é familiar. Os psicólogos chamam este fenômeno de "efeito da mera exposição" — ou o princípio da familiaridade, que pode ficar mais pronunciado em tempos de crise ou incerteza.

"Podemos entrar em um período de recessão econômica e isso significa um período de medo", afirma Greenberg. "O medo nos dirige para onde fomos tradicionalmente ensinados que é seguro. E, quando o assunto é liderança, isso infelizmente ainda significa que os homens estejam no comando."

É um choque para algumas pessoas ver mulheres no poder quando os homens sempre estiveram na cabeceira da mesa

De fato, os dados globais da pesquisa da Kantar Public, que envolveram mais de 14 mil pessoas, compilados em parceria com a conferência anual chamada Fórum Global de Reykjavik e a rede de Mulheres Líderes na Política, demonstraram que os níveis de confiança nas mulheres líderes, de forma geral, acompanharam a trajetória dos principais índices globais do mercado de ações nos últimos anos.

Quando os índices S&P 500 e FTSE 100 caíram abruptamente, a confiança nas mulheres líderes também despencou.

E especialistas acreditam que, em certos países, pode também haver razões políticas para as mudanças de comportamento com relação às mulheres.

"Se você tiver uma discussão nacional para saber se as mulheres devem ter o direito de controlar sua própria assistência médica, o que se pode esperar?", questiona Michelle Harrison, CEO global da Kantar Public. Ela se refere à decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos que reverteu a decisão do caso Roe x Wade, em junho de 2022.

Em outras palavras, se algo tão íntimo e privado quanto os direitos reprodutivos das mulheres é questionado em público, sua autonomia para tomar qualquer atitude na vida pode ser uma questão aberta para debate.

E, se um líder poderoso agir de determinada forma, ele também pode ser considerado um sinal de aprovação implícita de certos comportamentos, afirma Greenberg. Por isso, os comentários e comportamentos do ex-presidente americano Donald Trump sobre as mulheres durante seu mandato, por exemplo, podem ter servido para normalizar o machismo.

Este fator pode ter sido exacerbado pelas tendências nas redes sociais. Pesquisas indicam que a quantidade de referências online à misoginia violenta disparou nos últimos cinco anos.

O predomínio de conteúdo misógino ou que incentiva a violência contra as mulheres encontrado online é uma causa direta da cultura do machismo na vida diária, segundo a escritora, ativista e pesquisadora britânica Laura Bates escreveu no seu livro Men Who Hate Women ("Homens que odeiam as mulheres", em tradução livre), publicado em 2020.

Esta situação traz consequências reais para as mulheres. Em um documento publicado em 2021 sobre a comunidade militar nos Estados Unidos, as acadêmicas Kyleanne Hunter e Emma Jouenne concluíram que as redes sociais têm grande responsabilidade pela difusão de desinformação sobre a capacidade das mulheres de atender aos padrões físicos necessários para o combate armado e pelo impacto negativo das mulheres sobre a eficiência dessas unidades.

Um estudo de 2020, realizado pela organização britânica Hope Not Hate, também determinou a conexão entre o que acontece na internet e os comportamentos no mundo real.

O estudo demonstrou que, embora as gerações mais jovens normalmente tenham visões mais progressistas que as anteriores, a metade dos homens jovens pesquisados afirmou que, na opinião deles, o feminismo "foi longe demais". Os pesquisadores concluíram que o antifeminismo atrai homens jovens que cresceram no ambiente online e podem "sentir-se fragilizados em uma era de mudança das normas sociais".

Refletindo este fenômeno, o Índice de Reykjavik para Liderança deste ano demonstra que, em certos países como o Japão e a Alemanha, os jovens realmente têm visões menos progressistas que as gerações anteriores. Isso significa que eles podem estar menos dispostos a confiar em mulheres líderes, segundo os especialistas.

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