sábado, 24 de dezembro de 2022

 


* Um dia, em 2002 *

     Viver-se no interior, longe das atrações urbanas das cidades grandes, requer sabedoria que só o tempo traz. 

Retornemos a certo dia, março de 2002, quando eu era emérito fumador. 

Cidade São Gonçalo dos Campos, um perto-longe da capital Salvador, ainda é mar de tranquilidade: ouvem-se buzinas das cigarras e cantar dos pássaros. Nem tudo, porém, é placidez, pois se trabalha. E como! 

Saio de casa antes das 6:30h da matina: meu primeiro charuto, rumo à fábrica, onde, como economista, ocupo-me nas três primeiras horas. Em tal estar, meu segundo charuto, colhido diretamente na produção; benissimamente aclimatado, joia rara. 

Cerca das 10:00h encerro o expediente fabril. Uma rápida passagem por casa, beijos na meninada a qual ao eu sair, ainda dormia; um cafezinho e lá se vai o terceiro charuto. Ato contínuo, uma passagem pelo Banco e deste rumo a meu escritório pessoal. Estas ações e trajeto consomem apenas uns quinze minutos e totalizam 300 metros. Na firma, atendimento dos pedidos chegados por e-mail ou telefone. A Igreja Matriz soa as badaladas meridianas. Hora do retorno ao lar. Almoço rápido, às vezes antecedido de um mergulho na piscina. Noticiário televiso. Chegou a vez do quarto charuto. Beijinhos, beijinhos, tchau, tchau. 

         Dirijo-me então, para a chácara. Menos de três quilômetros. Lá, meio a um verde explosivo de fazer inveja ao verde mangueirense, ora construo espaço para onde pretendo transferir meu escritório. Assim reunirei o útil ao agradável: meus charutos, meus livros, os “barulhos” do interior, o ar puro e todas as facilidades de comunicação dos dias correntes. Uma caminhada: o quinto charuto do dia. São 15:00h e, nesta época, o sol arde em brasa. Tudo brilha. O cajueiro, lotado com frutos da safra que ora finda, atrai cardeais, chupa-laranjas, caboclos, curiós do brejo, lavadeiras, assanhaços e outros pássaros. Festa renovada todos os dias. Acomodo-me à mesa do quiosque e manuscrevo estas mal traçadas. Passa-se o tempo. O charuto apaga, reacendo-o. 17:00h: um banho de chuveirão ao ar livre. Os trabalhadores vão-se. Uma última volta pelos jardins e parto para o hotel-pousada da cidade. Já falei dele em crônicas passadas. Ali, diariamente, domingos inclusive, uma turma com motores 6.0 e 7.0, reúne-se para o carteado. 

         Da chácara à pousada, uns 400 metros. Ando de carro tão pouco, que as trocas de óleo são controladas por semestres: sempre nos períodos junino e natalino. O jogo, na Pousada do Centenário (a qual chamo Pousada dos “Centenários em alusão às idades da turma da jogatina) flui até a boquinha da noite. Durante isso, acendo meu sexto charuto. Dois parceiros, não fumantes, sempre reclamam. Mandam desligar o ar condicionado, abrir portas e janelas. 

        20:00h: volta ao lar. Momento de auxiliar a mulher a pôr os meninos a dormir. Mamadeiras, orações, embalos, cantigas de ninar. Nada de fumo dentro de casa. Um passeio pelos canais da TV, um drinque, uma espiada na novela das oito, sempre às nove. 

        Os meninos dormiram. Aleluia! Vamos jantar em paz. Assuntos da casa são comentados. Jornais e revistas, folheados. Telefonemas familiares e de alguns clientes que apreciam este horário para falar comigo. Tranquilidade. Saio para a varanda onde, matutando, desfruto o sétimo charuto da jornada. 

       São 23:00h, vou repousar, afinal ninguém é de ferro. 

 

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

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http://livrodoscharutos.blogspot.com

 

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