segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

'Morte lúcida': as pessoas com alto nível de consciência e sensações extracorpóreas quando o coração deixa de bater

 

A reanimação cardiopulmonar é uma manobra de emergência que consiste na aplicação de pressão rítmica sobre o peito de uma pessoa que sofreu uma parada cardiorrespiratória

O que acontece quando alguém morre?

A escuridão, o fim das dores, a saída para a luz e, em seguida, uma sensação de paz são alguns dos elementos que compõem o imaginário popular sobre o que acontece quando alguém morre. As religiões tem suas respostas, os escritores exploram o tema com criatividade.

Mas o que a ciência diz sobre o assunto?

Recentemente, um estudo científico inédito mostrou que a consciência da pessoa não morre imediatamente quando o coração para de bater. As pesquisas comprovaram que experiências como ver passar a vida diante dos olhos ou ter a sensação de estar saindo do próprio corpo não são alucinações.

O estudo encontra-se em fase de revisão por outros cientistas para sua publicação completa, o que deve ocorrer em 2023.

Lucidez em paradas cardíacas

O estudo, conduzido pela Faculdade de Medicina Grossmann da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, concluiu que uma a cada cinco pessoas que sobrevivem à reanimação cardiopulmonar depois de uma parada cardíaca consegue descrever experiências de lucidez sobre a morte que ocorreram enquanto elas estavam aparentemente inconscientes e sem batimentos cardíacos.

"Ao longo da história, observamos a morte com base na convenção social de que havia uma linha entre a vida e a morte e que, depois de cruzá-la, não havia retorno", explica Sam Parnia, diretor do estudo apresentado nas recentes Sessões Científicas 2022 da Associação Norte-Americana do Coração, em Chicago, nos Estados Unidos.

"Nos últimos 60 anos, este conceito foi colocado em dúvida porque a descoberta da reanimação cardiopulmonar permitiu devolver a vida a algumas pessoas que, do ponto de vista biológico, haviam entrado na morte", segundo ele. "Essas pessoas vêm relatando experiências há mais de 60 anos e existem milhões de pessoas em todo o mundo que contaram as mesmas experiências."

Mas, durante anos, essas histórias foram consideradas simples alucinações, truques do cérebro ou experiências similares às induzidas pelas drogas — até que a pesquisa atual demonstrou que essa comparação é errônea.

Os pesquisadores estudaram 567 pessoas que receberam reanimação cardiopulmonar após uma parada cardíaca durante sua hospitalização entre maio de 2017 e março de 2020, nos EUA e no Reino Unido. Destas, menos de 10% sobreviveram.

"É preciso entender que a parada cardíaca não é um problema do coração", afirma Parnia. "É apenas um termo médico para designar a morte."

Existem cinco tipos de ondas cerebrais que podem ser medidas pelo eletroencefalograma. As ondas gama são relacionadas a tarefas de alto processamento cognitivo

Do grupo analisado, 85 pessoas puderam ser estudadas com monitoramento cerebral ideal - o maior grupo já pesquisado até o momento. Os pesquisadores também enfrentaram o desafio de instalar todos os mecanismos médicos necessários para monitorar o cérebro.

Para conduzir este estudo, eles usaram, de um lado, a oximetria cerebral — uma técnica não invasiva para monitorar alterações do metabolismo cerebral de oxigênio com base na tecnologia de espectroscopia de infravermelho próximo. Nela, são emitidos fótons próximos ao infravermelho na pele frontal do paciente. E, por outro lado, foi utilizado um aparelho portátil de eletroencefalograma.

"A parada cardíaca é uma emergência. Ela ocorre muito repentinamente e sem aviso prévio", afirma Parnia. "Normalmente, as equipes precisam chegar em cinco minutos, entrar em meio à emergência e colocar todos os aparelhos. Por isso, coletar os dados, na verdade, é um desafio."

Parnia é diretor do Parnia Lab, o primeiro laboratório de pesquisa do mundo dedicado a melhorar os cuidados de reanimação e explorar o que ocorre na mente humana durante e depois de uma parada cardíaca.

Estudos anteriores em animais haviam demonstrado que eles apresentam ondas de atividade elétrica no cérebro, no exato momento depois da parada cardíaca.

Já outro estudo apresentado em fevereiro de 2022 analisou a atividade cerebral de uma mulher no exato momento da sua morte. Foi observado um aumento repentino do que se chama de atividade cerebral gama — as ondas que são ativadas quando uma pessoa consciente recupera recordações e processa mentalmente essas informações.

Existem cinco tipos de ondas cerebrais que podem ser medidas pelo eletroencefalograma. As ondas gama são relacionadas a tarefas de alto processamento cognitivo

Com esses antecedentes, a equipe de Sam Parnia pretendia responder duas perguntas: saber quais são as experiências das pessoas quando o coração para de bater e elas são reanimadas e se é possível encontrar marcadores cerebrais que confirmem os relatos de pessoas que afirmam ter experimentado consciência lúcida.

Mas, acima de tudo, eles procuram distanciar-se da expressão "experiência de quase morte". Na opinião do cientista, essa expressão foi mal utilizada ao longo da história para descrever inúmeros tipos de ocorrências que nada têm a ver com a morte e nem mesmo apresentam similaridade entre si.

"Algumas pessoas usam a expressão 'experiência de quase morte' para falar de sonhos. Outras, para falar do consumo de drogas", indica ele. "Para nós, trata-se de experiências de morte real. Primeiro, porque os corações pararam de bater e, além disso, porque as pessoas se dão conta de que haviam morrido quando regressam."

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