* O primeiro barbear *
Assim como elas, em certa idade, consultam ao espelho o volume de seus seios, os garotos, puberdade chegando, também se espelham na busca de pubescentes pelos faciais. Belo dia – refiro-me aos dias de antigamente, quando a perigosa navalha alcançava mãos destreinadas, associada ao espumante pincel – belo dia, como dizia, arriscam-se os rapazolas a escanhoarem-se. Inundam com espuma as faces manchadas por algumas acnes e sentem-se um Papai Noel frente ao espelho, embora ao queixo pendam, apenas, meia dúzia de peludos fiapos.
Poucos ou muitos pelos, não importa, os mocinhos inauguravam um rito de passagem masculino. É provável que, em exame mais apurado, ao estirar-se a pele da face ou do pescoço, encontrar-se-ão vestígios do barbear imperfeito. Nada imperdoável: seja o que for, as primeiras vezes, em noventa e nove por cento dos casos, são imperfeitas.
Lembro-me bem. Quando
em 1985, tempo das cartas, anterior ao fax, ao lançar-me no turbilhão das
crônicas, encantava-me comigo mesmo. Achava tudo lindo, maravilhoso. Hoje, ao
reler tais aventuras literárias, dou-me conta das redundâncias, dos pleonasmos,
das discordâncias, da pontuação incorreta e de tudo o mais que infesta a língua
pátria quando mal usada. Por certo,
todavia, cá não estaria caso não houvesse me encorajado lançar ao mar das
letras.
Aos poetas concedem-se
perdões a título de eventuais ‘inovações’ literárias, priorizando-se a
imaginação criadora e abstraindo-se das muitas regras na construção de
períodos. Aos cronistas, retratistas mundanos, a imaginação criadora apesar de
desejável, não é indispensável, e o apurado e implacável olhar dos puristas
deve ser permanente fonte de preocupação.
Se conselhos possam
ser dados a cronistas iniciantes, considerem as ditas, fruto de gestações
prolongadas. Não se apressem em dá-las ao público. Produzam-nas hoje e
leiam-nas uma semana após. Ponham-se no lugar dos leitores. Quase sempre
encontrarão alguma discordância verbal, redundâncias, problemas no uso da
crase, etc.
Eu, por meu turno,
muito devo a uma revisora profissional que, prematura e infelizmente, vitimada
pela recidiva após dez anos, de um câncer de peito, faleceu em outubro de 2021.
Associo ao pouco que sei, o continuado estudo da língua, a leitura de nossos
melhores autores e o aproveitamento de qualquer pretexto para exercitar um
texto. Como agora, quando um amigo me
brindou com suas primícias literárias no mundo das crônicas.
Hugo Bittencourt
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