domingo, 25 de dezembro de 2022

 


* O primeiro barbear *

 

Assim como elas, em certa idade, consultam ao espelho o volume de seus seios, os garotos, puberdade chegando, também se espelham na busca de pubescentes pelos faciais. Belo dia – refiro-me aos dias de antigamente, quando a perigosa navalha alcançava mãos destreinadas, associada ao espumante pincel – belo dia, como dizia, arriscam-se os rapazolas a escanhoarem-se. Inundam com espuma as faces manchadas por algumas acnes e sentem-se um Papai Noel frente ao espelho, embora ao queixo pendam, apenas, meia dúzia de peludos fiapos.

Poucos ou muitos pelos, não importa, os mocinhos inauguravam um rito de passagem masculino. É provável que, em exame mais apurado, ao estirar-se a pele da face ou do pescoço, encontrar-se-ão vestígios do barbear imperfeito. Nada imperdoável: seja o que for, as primeiras vezes, em noventa e nove por cento dos casos, são imperfeitas.

 

Lembro-me bem. Quando em 1985, tempo das cartas, anterior ao fax, ao lançar-me no turbilhão das crônicas, encantava-me comigo mesmo. Achava tudo lindo, maravilhoso. Hoje, ao reler tais aventuras literárias, dou-me conta das redundâncias, dos pleonasmos, das discordâncias, da pontuação incorreta e de tudo o mais que infesta a língua pátria quando mal usada.  Por certo, todavia, cá não estaria caso não houvesse me encorajado lançar ao mar das letras.

 

Aos poetas concedem-se perdões a título de eventuais ‘inovações’ literárias, priorizando-se a imaginação criadora e abstraindo-se das muitas regras na construção de períodos. Aos cronistas, retratistas mundanos, a imaginação criadora apesar de desejável, não é indispensável, e o apurado e implacável olhar dos puristas deve ser permanente fonte de preocupação.

 

Se conselhos possam ser dados a cronistas iniciantes, considerem as ditas, fruto de gestações prolongadas. Não se apressem em dá-las ao público. Produzam-nas hoje e leiam-nas uma semana após. Ponham-se no lugar dos leitores. Quase sempre encontrarão alguma discordância verbal, redundâncias, problemas no uso da crase, etc.

 

Eu, por meu turno, muito devo a uma revisora profissional que, prematura e infelizmente, vitimada pela recidiva após dez anos, de um câncer de peito, faleceu em outubro de 2021. Associo ao pouco que sei, o continuado estudo da língua, a leitura de nossos melhores autores e o aproveitamento de qualquer pretexto para exercitar um texto.  Como agora, quando um amigo me brindou com suas primícias literárias no mundo das crônicas.

 

Hugo Bittencourt

[email protected]

http://livrodoscharutos.blogspot.com

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