Cinco
anos após flexibilizar as regras para a abertura de novas escolas de medicina,
o Ministério da Educação deu um giro de 180 graus em sua política e determinou
o congelamento de todos os processos de abertura de novos cursos de medicina no
país por um prazo de cinco anos. No período, o órgão afirma que empreenderá um
"amplo estudo" sobre o ensino dos profissionais da área de saúde. De
acordo com o MEC, a medida "visa a sustentabilidade da política de
formação médica no Brasil, preservando a qualidade do ensino".
A proposta é uma guinada no que
previa a lei nº 12.871 de 2013, conhecida como a lei Mais Médicos, que
impulsionou a abertura de novas escolas para tentar diminuir a carência de
médicos em determinadas regiões do Brasil. O Maranhão, por exemplo, tem pouco mais
de um terço da densidade de médicos do resto do país.
O Brasil tem hoje 291 cursos de
medicina - 30% deles abertos a partir de 2013, graças à nova legislação. Com os
cursos recém-abertos, o Brasil saltou de um patamar de 17.267 novos médicos
formados em 2012 para um potencial de formar 29.996 profissionais por ano - o
que, para as entidades médicas, não é um crescimento sustentável.
"A medida do Ministério é
muito bem-vinda. Somos os campeões mundiais em abertura de novas escolas em um
prazo tão curto de tempo", afirma Mauro Luiz de Britto Ribeiro, presidente
em exercício do Conselho Federal de Medicina (CFM).
De acordo com o MEC, a mudança
sequer passaria pelo Congresso Nacional. A novidade passaria a valer por um
mero decreto do presidente da República. O documento, contudo, ainda precisa
ser elaborado e assinado pelo presidente Michel Temer (PMDB).
Brasil versus Europa
Apesar de vir aumentando o número
de médicos recém-formados, o Brasil ainda diploma menos profissionais que
países europeus - mas já passou nações como Estados Unidos e Canadá. De acordo
com cálculos feitos a partir das projeções do estudo Densidade Médica no
Brasil, o país terá em torno de 10,6 novos graduandos por 100 mil habitantes nesse
ano.
No bloco europeu, esse índice era
de 12,4 novos médicos para cada 100 mil habitantes em 2015, de acordo com a
Eurostat. Já nos EUA e no Canadá naquele ano, a taxa era de 6,5 e 7,3,
respectivamente.
|Pelas projeções de novos
formandos no Brasil, o índice de novos diplomados deve crescer nos próximos
anos e, em 2020, chegar a 15 médicos por 100 mil habitantes. Apesar do aumento,
o número ainda ficará distante de países como a Dinamarca que, em 2015, tinha
23 graduandos por 100 mil habitantes, segundo a Eurostat.
Para o ex-ministro da saúde
Arthur Chioro, que atuou no governo federal durante a implantação da lei Mais
Médicos, o Brasil ainda está atrás de países desenvolvidos com sistemas
gratuitos de saúde quanto à taxa de estudantes e médicos por grupos da
população.
"Há uma discussão de que o
Brasil tem muitas faculdades de medicina. Mas o número de vagas por 10 mil
habitantes é consistente. Se comparar a nossa realidade com a dos países da
OCDE, nossa situação é crítica", diz Chioro, que hoje atua como docente do
Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp, em São Paulo.
Na média, Brasil e OCDE estão
próximos - o grupo tinha 10,2 novos médicos por 100 mil habitantes em 2015.
Contudo, a taxa variava entre países da organização: enquanto a Áustria tinha
um índice de 19,9 médicos diplomados por 100 mil habitantes, a França tinha 6.
Nesse último, não há sistema universal de saúde.
Notas ruins
Apesar do crescimento das vagas
de medicina, o ensino médico não avançou, afirmam profissionais ouvidos para a
reportagem. Para alguns, a queda na qualidade está na expansão rápida da rede
de universidades, sem a devida fiscalização. Para outros, a crise está na
especialização precoce dos estudantes, que saem da faculdade sem uma formação
generalista.
Resultados do último exame
realizado pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo)
ilustram a crise atual. Em 2016, mais da metade (56,4%) dos médicos
recém-graduados que prestaram a prova da instituição reprovaram. Entre os
alunos de escolas privadas, a reprovação chegou a 66%.
De acordo com o relatório do
Cremesp, participantes erraram questões básicas de medicina. Oito em cada dez
que fizeram a prova não souberam interpretar um exame de radiografia e erraram
a conduta terapêutica de paciente idoso. A prova não impede que alunos
reprovados tirem o registro profissional.
"O curso médico tem passado
por uma crise mesmo", afirma Cláudia Bacelar, professora do Departamento
de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
"A nossa formação é hospital-cêntrica, estamos fazendo uma especialização
precoce dos médicos. Quando eles passam por avaliações mais abertas, em que
você espera o conhecimento mínimo para o exercício médico, os alunos vão muito
mal", afirma. Click aqui e leia mais no BBCBrasil.
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