‘Árabes e
judeus travam uma intensa disputa desde o começo do século 20 para transformar
Jerusalém em capital da Palestina e de Israel, respectivamente. Mas esse
conflito, que faz do Oriente Médio um centro permanente de tensão, é apenas
mais um capítulo de uma história que mescla confrontos por território e
heranças sagradas há milênios.
Jerusalém já
foi ocupada, destruída, sitiada, atacada e capturada muitas vezes por
diferentes povos, entre eles egípcios, babilônios, romanos, árabes e judeus em
cerca de três mil anos de história. Também foi santificada por cristãos, judeus
e muçulmanos, que veem na cidade o berço dessas religiões.
A aparente
convivência harmônica entre os bairros judaico, mulçumano, cristão e armênio na
Cidade Velha, cercada por muros em Jerusalém Oriental, contudo, não é um
indicativo de que o atual confronto está perto do fim.
A comunidade
internacional espera uma escalada de confrontos na região com o anúncio do
presidente Donald Trump de que os EUA reconhecem Jerusalém como capital de
Israel, ocorrido na quarta-feira (6). Já segundo Trump, a medida "é uma
condição necessária para atingir a paz".
"Nós não
estamos próximos de um acordo de paz duradouro, seria uma loucura assumir que a
repetição da mesma fórmula possa conquistar algo diferente", discursou
Trump, em defesa de sua decisão de alterar o status da cidade.
A primeira
reação internacional foi do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres,
criticando "medidas unilaterais" relacionadas à questão
Israel-Palestina e afirmando que Jerusalém tem de ser reconhecida como
"capital de Israel e da Palestina".
Mas como essa cidade de 150 quilômetros quadrados,
área pouco menor que a de Natal, capital do Rio Grande do Norte, tornou-se a
mais sagrada e disputada do mundo por tantos milênios?
Heranças religiosas
Para os
cristãos, Jerusalém foi o palco da paixão de Cristo, onde Jesus foi
crucificado, morto e sepultado - o local exato, o Monte Calvário (ou Gólgata),
ficava próximo da Jerusalém antiga, dentro dos limites da cidade atual.
Para os
muçulmanos, Jerusalém é o lugar onde o profeta Maomé ascendeu aos céus. Já
segundo a tradição judaica, a cidade foi declarada como capital do reino dos
judeus pelo rei Davi e é o local onde foi construído um templo para guardar a
Arca da Aliança, onde estariam as tábuas dos Dez Mandamentos. Por isso, até
hoje Jerusalém atrai peregrinos de diferentes religiões em busca de lugares
sagrados.
Na Cidade
Velha, é possível percorrer, por exemplo, as 14 estações pelas quais se
acredita que Jesus passou carregando a cruz até Igreja do Santo Sepulcro;
visitar a mesquita de Al-Aqsa e se deslumbrar com a Cúpula da Rocha; e, ainda,
depositar votos de fé no Muro das Lamentações, um pedacinho do Templo de
Jerusalém erguido por Herodes e cercado por sinagogas.
Disputas por território
Parte das
disputas na região está relacionada à crença de fiéis de que seus antepassados
chegaram primeiro à região onde hoje fica Jerusalém ou mesmo de que a ligação
com a cidade é mais legítima. Apesar de haver
indícios de que o local já era habitado em 3200 a.C., ninguém sabe ao certo
quem foram os primeiros a ocupá-lo.
A história de
conflitos na região envolveu, no fim do século 7a.C. egípcios e assírios e, em
séculos seguintes, babilônios e persas, gregos, romanos, turcos e otomanos.
Os confrontos
forçaram a diáspora judaica e Jerusalém foi controlada por muçulmanos por
séculos a fio até o final da 1ª Guerra Mundial e o fim do Império Otomano. A
partir daí, franceses e britânicos ocuparam a região, redefinindo fronteiras.
O confronto entre judeus e palestinos
No começo dos
anos 1920, a região da Palestina passou a ficar formalmente sob o comando do
Reino Unido e, com apoio dos britânicos, judeus de todas as partes do mundo
começaram a voltar à Terra Santa, migrando para o território do atual Estado de
Israel.
Jerusalém foi
capital do Mandato Britânico da Palestina até 1948. Um ano antes, a Assembleia
Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) decidiu pelo plano de partilha da
Palestina entre um Estado árabe e outro judeu, Jerusalém foi designada como
"corpus separatum" (corpo separado), sob controle internacional. O
plano, porém, não chegou a ser implementado.
Em 1948, foi
declarada a Independência do Estado de Israel e, logo em seguida, a guerra
árabe-israelense. Ao final daquele conflito, Jerusalém foi dividida, com a
parte ocidental sob controle de Israel e a parte oriental controlada pela
Jordânia.
Depois da
Guerra de Seis dias de 1967, Israel capturou a parte oriental da cidade e,
desde então, vem construindo assentamentos em Jerusalém Oriental. Esses
assentamentos são considerados ilegais pela comunidade internacional, posição
que é contestada pelo governo israelense.
Os palestinos,
por sua vez, reivindicam que Jerusalém oriental é a capital palestina. Esse
pleito faz parte das tratativas de acordo de paz para tentar criar um Estado
palestino ao lado de Israel.
Estima-se que
um terço da população de Jerusalém seja composto por palestinos e muitos são de
famílias que estão na região há séculos. Enquanto árabes e judeus enfrentam
dificuldades de executar o plano de partilha da Palestina conforme determinado
pela ONU, as ações militares na região nunca cessaram.
Reações contra Donald Trump
Na tentativa de
manter a neutralidade e não influenciar diretamente o já complicado acordo de
paz na região, a comunidade internacional nunca reconheceu a soberania de
Israel sobre a cidade. A maioria dos países, por exemplo, estabeleceu
representações diplomáticas em Tel Aviv e arredores, mas não em Jerusalém.
Por isso, o
anúncio do reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel por Donald Trump
e a mudança da embaixada têm sidos criticados até mesmo por aliados dos EUA.
A decisão de
Trump vai na mesma direção de uma medida aprovada em 1995 pelo Congresso dos
Estados Unidos, prevendo a transferência da Embaixada americana em Israel para
Jerusalém. No entanto, isso nunca havia sido posto em prática, porque era
necessária aprovação da Presidência, o que nunca ocorreu - até agora. Todos os
semestres, o ato do Congresso foi encaminhado aos presidentes, mas a praxe
sempre foi renunciar a mudança.
Antes do
discurso de Trump na quarta-feira, a Arábia Saudita e o Egito se manifestaram
contrários às mudanças. O primeiro-ministro turco Binali Yildirim disse que
"Jerusalém é um assunto delicado para o mundo islâmico. Nossa expectativa
e esperança nesse assunto é que nenhum passo seja dado. Imposições e maus passos
podem levar a consequências irreversíveis".
O presidente da França, Emmanuel Macron, ttambém
teria alertado a Trump, por telefone, que reconhecer Jerusalém como capital de
Israel seria má ideia. Até mesmo o papa Francisco se manifestou pedindo que o status
atual seja mantido. (BBCBrasil)
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