A gente não
costuma questionar o tempo. Muito menos parar para pensar que o tempo aponta
para uma direção específica. Mas veja bem: o tempo como o conhecemos caminha em
uma direção específica, do passado para o futuro, certo?
Ou melhor, somos
nós que caminhamos sobre a dimensão do tempo, sempre em direção ao futuro e
para longe do passado. Mas isso é um papo para outros textos (que já existem no site da SUPER).
O assunto agora é que fizemos o tempo dar ré. Conseguimos, em laboratório,
fazer o tempo correr na direção oposta.
Como? Vamos
explicar em detalhes nos próximos parágrafos. Primeiro, calma: você precisa ter
em mente que que o tempo não é um conceito concreto, pré-existente. Nós só
deduzimos que o tempo existe porque observamos, no Universo, as coisas mudando
a partir de uma condição inicial. O ponto zero da sua vida é seu nascimento, e
o tempo se desloca na direção do seu envelhecimento. A mesma coisa acontece com
o Universo, para o qual o ponto zero é o Big Bang.
O problema é que
não precisava, necessariamente, ser assim. O tempo poderia se mover na direção
oposta. Ou então ir e voltar, sem ter que se comprometer a ser uma via de mão
única. Há inclusive quem defenda que, quando nosso Universo nasceu, surgiu
também um Universo gêmeo invertido, onde o tempo corre ao contrário.
O estudo que fez o
tempo andar para trás não falava de nada disso. O tema dele era energia. Isso
porque uma das formas de definir a direção que o tempo corre, segundo a
ciência, é olhar para a forma como a energia se movimenta no nosso Universo.
Esse movimento,
você sabe, têm regras. Pense nas leis da termodinâmica: uma xícara de chá
quente, no meio de uma sala fria, só pode esfriar, perdendo calor para o
ambiente. Você jamais vai ver a xícara esquentar mais, roubando calor da sala.
A tendência inexorável de um objeto quente é esfriar.
O fluxo de
energia, nesse sentido, também é de mão única, tão irreversível quanto a
passagem do passado ao futuro. Na prática, então, o fluxo de energia é o
tempo, ou o que os cientistas chamam de “flecha do tempo” (flecha porque a
ponta aponta para um lado só, com o perdão da piada de Tio do Pavê).
Ufa. Agora que
chegamos até aqui, podemos finalmente falar da descoberta. O estudo foi feito
com uma molécula extremamente banal: o clorofórmio, aquele mesmo dos filmes de
sequestro. Ele é composto por um átomo de carbono, ligado a um de hidrogênio e
três átomos de cloro.
O próximo passo
dos cientistas foi manipular esses átomos um por um. Para isso, a molécula foi
colocada em acetona e um campo magnético fortíssimo alinhou cada um dos núcleos
desses átomos. E aí, lentamente, os pesquisadores aumentaram a temperatura em
alguns dos núcleos usando ressonância magnética nuclear.
Voltando ao nosso
exemplo da termodinâmica, conforme um núcleo esquenta, ele deveria transferir
energia para os seus vizinhos mais frios até que todas as partículas estivessem
na mesma temperatura, certo? Assim, estariam seguindo a flecha do tempo, na
direção correta.
Mas estamos
falando de partículas. E entra aí o maravilhoso mundo da física quântica.
Durante os testes, os pesquisadores manipularam as partículas para conseguir
que elas se correlacionassem. A forma mais famosa (mas não a única!) de
correlação quântica é o entrelaçamento (leia mais
sobre ele aqui) no qual se criam duas partículas “gêmeas”, uma capaz de
refletir a perturbação que a outra recebe, mesmo que cada uma esteja em um
canto diferente do Universo.
Quando a
correlação quântica entrou em jogo, os cientistas viram as regras mudarem. As
partículas nos núcleos de hidrogênio, quando aquecidas, ficavam
progressivamente mais quentes. As do núcleo de carbono, progressivamente mais
frias. É como se nossa xícara do nosso exemplo continuasse a aquecer, graças ao
calor fornecido pela mesa fria, que fica cada vez mais gelada.
Em uma escala
minúscula, portanto, invertemos a flecha do tempo. O calor caminhou ao
contrário, fluindo espontaneamente do sistema mais frio para o mais quente, o
que não faz sentido algum no mundo macroscópico. E assim, do ponto de vista da
energia, o tempo andou para trás.
Ainda falta
entendermos muita coisa sobre o que acontece no misterioso estado quântico – e
como ele se relaciona com as regras do nosso mundo macroscópico, como as que
governam calor e energia em geral. O estudo (que está disponível pré-publicação
arXiv.org) traz uma
contribuição curiosa exatamente para esse campo, mostrando como o mundo das
partículas “reinterpreta” a termodinâmica como a conhecemos.
Mas, quando
colocamos o fator tempo na história, a coisa ganha um significado ainda maior –
e certamente mais filosófico. (SuperInteressante)
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