Cinco anos após o fim da ditadura militar, o político baiano Antônio
Carlos Magalhães, o ACM, encarou uma missão que parecia difícil. Em meio a
forte campanha contrária, ele tentava voltar ao posto de governador - dessa vez
pelo voto popular, e não por indicação dos militares.
Alguns dos ataques mais ousados vinham do publicitário Geraldo Walter,
que, aos 33 anos, chefiava a campanha do empresário Luiz Pedro Irujo, candidato
do PRN. Inspirado no filme O Grande Ditador (1940), em que Charles
Chaplin satirizava Adolf Hitler, Walter bolou uma peça em que o papel do führer
cabia a um sósia de ACM, que brincava com uma bola com as cores da bandeira
baiana.
Em vez de negar a fama de autoritário, a campanha de ACM buscou
retratá-lo como uma figura multifacetada. Valendo-se da influência do candomblé
no Estado, a equipe coordenada pelo marqueteiro Fernando Barros produziu um
comercial em que ACM era chamado de "negro de pele branca" e
comparado a Oxumaré - orixá com feições múltiplas, ao mesmo tempo homem e
mulher, calmo e irascível, rico e generoso.
ACM venceu a eleição no primeiro turno, e a disputa se tornou um marco
na história do marketing político brasileiro. Quatro anos depois, em 1994, o
marqueteiro vencedor e o derrotado se uniriam em prol da candidatura de
Fernando Henrique Cardoso à Presidência, inaugurando uma era de domínio baiano
em campanhas eleitorais no país, que perdura até hoje.
Desde aquela eleição, marqueteiros baianos chefiaram todas as campanhas
vitoriosas para presidente da República no Brasil e várias no exterior. O êxito
da dupla Walter-Barros em 1994 seria repetido nos anos seguintes por Nizan
Guanaes, Duda Mendonça e João Santana.
Às vésperas da próxima eleição, porém, a primazia do grupo está ameaçada
por escândalos de corrupção, que envolveram alguns dos seus principais
expoentes e os afastaram da política.
Revolução
tecnológica
Fernando Barros diz que a campanha de ACM alçou o marketing político
brasileiro a um novo patamar de qualidade técnica.
"Usamos as tecnologias mais avançadas e trouxemos os melhores
profissionais de cada área: diretores de TV, fotógrafos, técnicos de áudio, de
maquiagem, de figurino. Foi uma grande novidade", lembra Barros,
presidente da agência Propeg.
Em parceria com Geraldo Walter e com o também baiano Nizan Guanaes,
Barros replicou a estratégia na campanha de FHC - eleito em primeiro turno,
embalado pelo sucesso do Plano Real.
Walter morreu de câncer aos 41 anos, a seis meses antes do pleito
presidencial de 1998. A direção da campanha de FHC à reeleição ficou com Nizan,
que voltaria a assessorar políticos tucanos em eleições seguintes.
Afastado de disputas eleitorais há mais de uma década, o baiano se
tornou um dos principais nomes da publicidade brasileira. Um assistente de
Nizan afirmou que ele estava viajando e não poderia dar entrevista.
Primeiro
marqueteiro baiano
Fernando Barros atribuiu o sucesso de baianos no marketing político a
fatores históricos. Ele afirma que, desde que Salvador foi capital do Brasil,
entre 1549 e 1763, tornou-se terreno fértil para profissionais das letras, como
jornalistas, publicitários e escritores.
Para o publicitário, o primeiro marqueteiro político do Brasil foi o
poeta soteropolitano Gregório de Matos (1636-1696). "Ele na prática fazia
campanhas, porque atacava governos, era remunerado, era advogado. Viveu das
palavras, da maneira eloquente com que colocava suas ideias."
Apelidado de Boca do Inferno e Boca de Brasa por suas críticas ácidas,
Matos foi deportado pela Coroa portuguesa para Angola e voltou ao Brasil pouco
antes de morrer, aos 59 anos.
Barros diz ainda que, como a Bahia nunca teve um setor industrial forte,
as agências de publicidade do Estado tiveram de se aproximar do governo e de
políticos para sobreviver.
Autor de 18 livros sobre marketing eleitoral, o paulista Carlos
Manhanelli diz que as agências de São Paulo, eixo do mercado publicitário
brasileiro, nunca se destacaram como as baianas nesse meio por um cálculo de
custo-benefício.
"Campanhas envolvem ideologia, e os clientes têm ideologia, então,
as agências perdem clientes quando entram em campanha."
Para o cientista político pernambucano Antônio Lavareda, publicitários
baianos devem parte de seu sucesso ao caldo cultural em que se criaram, o mesmo
que deu origem a ícones da cultura popular brasileira, como Maria Bethânia,
Gilberto Gil, Caetano Veloso, Dorival Caymmi e Gal Costa.
"É natural que a Bahia, que tem referências culturais muito
associadas a raízes populares e à música, tenha gerado profissionais com pendor
para uma comunicação bastante emocional, que é a que tem dado mais certo na
política." Leia matéria completa no BBCBrasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário