Lobos Guará são brasileiros, pinguins imperadores são da Antártida, seres humanos são da África. Todo o gênero Homo surgiu naquele continente. E a espécie da qual você faz parte, a Homo sapiens, também. Nossa linhagem se separou da do Homo erectus,
nosso ancestral profundo, há pelo menos 800 mil anos. E entre 300 mil e
200 mil anos atrás ganhamos a cara, e o cérebro, que temos hoje.
Esse tapinha final da evolução
provavelmente aconteceu no leste da África, onde hoje fica a Etiópia.
Somos um bicho nativo de lá. Mas nunca fomos caseiros. Se você é uma
daquelas pessoas que toparia entrar numa nave para Marte para viver o
resto da sua vida lá, saiba que essa pulsão está inscrita a ferro nos
seus genes: humanos adoram migrar.
Até há pouco tempo, achavam que os
sapiens só tinham saído da África há coisa de 40 mil anos. Hoje se sabe
que as nossas primeiras expedições para fora do continente materno
aconteceram bem antes, há 120 mil, 130 mil anos. 80 mil anos atrás já
tínhamos chegado na China. Um pouco depois, na Austrália – é que naquele
tempo dava para andar até a Austrália – o nível do mar era bem mais
baixo. Entre uma e outra onda migratória, tomamos também o controle da
Europa.
Só faltava a América. O continente
onde você está sentado agora passou mais tempo do que qualquer outro
(fora a Antártida) sem jamais ter abrigado um Homo sapiens, ou qualquer outro grande primata. Faz algo entre 14 e 16 mil anos que os primeiros humanos chegaram por aqui. Eles eram sapiens
que tinham migrado para a Ásia, e que foram indo cada vez mais para o
leste. Depois de centenas de gerações chegaram onde hoje fica o Estreito
de Bering, o pedaço de mar que separa o atual Alasca da Sibéria. Como
na época também dava para atravessar a pé por ali, foi o que fizeram.
O que não se sabe direito até hoje é
exatamente quando isso aconteceu – até porque os rastros arqueológicos
que esse pessoal pode ter deixado acabaram cobertos pelo mar. Mas uma pesquisa recente,
divulgada no início de janeiro, ajuda a contar essa história melhor. Um
grupo de geneticistas dinamarqueses e americanos analisou o DNA dos
restos mortais de um bebê encontrado num sítio arqueológico do Alasca.
Ele nasceu há 11,5 mil anos, em outras palavras, é um dos fósseis
humanos mais antigos das Américas.
Os genes dele, então, poderiam trazer
informações mais precisas sobre quem foram seus ancestrais. Como
absolutamente todos os nativos do nosso continente descendem dos
primeiros humanos que atravessaram o Estreito de Bering, isso também
significa saber quem deu origem às populações indígenas da América do
Sul. E como boa parte dos brasileiros vivos hoje carrega genes das
populações indígenas da América do Sul (misturados com DNA dos outros
humanos que aportaram por aqui do século 16 em diante), isso também
significa saber mais sobre a ancestralidade de muita gente que você
conhece – a começar, talvez, por você mesmo.
Bom, a análise mostrou que o bebê do
Alasca tem quase o mesmo DNA dos índios que habitam hoje a América do
Norte. A graça aqui está no “quase”. A parte distinta do genoma dele
remonta a populações que hoje vivem na China. Ou seja: o bebê é um “elo
perdido” perfeito entre os asiáticos e os povos nativos das Américas.
A pesquisa mostrou que os ancestrais
comuns entre os chineses de hoje e o bebê pré-histórico viveram há 36
mil anos. Cruzando esses dados com estudos genéticos feitos antes,
concluíram que esses ancestrais distantes viveram na Sibéria. E
concluíram que os genes do bebê fazem parte de um povo até então
desconhecido, e agora batizados como “beringuenses” – ou seja, do
Estreito de Bering, e que moravam ali antes de o lugar virar mar.
Os beringuenses teriam dado origem aos
índios da América do Norte há mais ou menos 20 mil anos. E esses Homo
sapiens dariam origem a povos que hoje conhecemos como Navarros, Maias,
Astecas, Incas, Ianomamis, Guaranis. Enfim: a todas a populações que já
existiam por aqui bem antes de sujeitos como Colombo e Cabral darem as
caras. A “descoberta da América”, afinal, aconteceu bem antes. Valeu,
beringuenses. (Super Interessante)
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