segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Crônica de Segunda

Caguto

 Caguto é a simpatia em pessoa. “Bon vivant”, alegre e amigo de todo mundo. Sua única preocupação é quando quebra a corda do violão. É o tipo do cara que desde o dia que nasceu já entrou em férias. “Quem? Eu, me preocupar”? – diz sempre. Tendo um violão à mão, uma garrafa de pinga da boa e uma mulher bonita ao lado, tudo mais se ajeita. Afora estas três coisas citadas, a sua maior paixão é a pesca. Falou que tem pescaria, não importa a distância ou o dia, ele está lá.

Certa vez, em época de Natal, ele viajou com o amigo  Mané Kaçola pra uma pescaria numa vila de pescadores do recôncavo. O lugar era tão isolado que nem carro entrava. Um verdadeiro paraíso. Por lá eles ficaram no Natal e Reveillon, comendo, bebendo, tocando violão, dormindo e... pescando, que ninguém é de ferro.

Depois da virada do ano, dia 02 de janeiro, Mané Kaçola voltou pra cidade e passou no Boteco do Vital, onde os amigos comuns se reuniam nos finais de tardes. A turma logo quis saber como é que foi a viagem. Ele contou que foi tudo uma maravilha, que tinha muito peixe e pinga da boa, que o lugar era um paraíso e tudo o mais. Aí alguém resolveu perguntar: “E o Caguto, não veio?”

“Não ele ainda está por lá. E disse que esse ‘restinho’ de ano ele não volta mais não”.

Caguto tem uma chácara na beira do lago de Pedra do Cavalo. Durante o verão ele, praticamente, mora lá. Só sai pra visitar os amigos. Um dia ele me disse, animado: “Comprei um banco”. (!!) Ante a minha perplexidade, ele explicou que se tratava de um banquinho de madeira, destes que se usa para sentar. Eu questionei: E daí?  “Daí que, às vezes, lá chácara, me dá uma vontade danada de trabalhar. Aí eu pego o banquinho, sento, me ponho de frente pro lago, e fico lá olhando, quietinho, esperando a vontade passar”.

E assim Caguto vai levando a vida. Certo dia, no boteco, num final de tarde, ele estava lá, em pé na beira do balcão, saboreando uma “envelhecida”, com tira-gosto de caju, quando dois sujeitos começaram a discutir política em voz alta. Caguto estava de costas pros caras e nem deu atenção, que esse negócio de discussão não é com ele, mas ouvia a conversa.

A certa altura, um dos sujeitos, oposicionista que praguejava contra o governo, resolveu matar a questão:

- Olha rapaz, você quer saber o que é que eu quero mesmo? Eu quero é que esse País acabe...

Foi demais pra Caguto. Ele arregalou os olhos, virou-se rapidamente e gritou pro sujeito:

- Faça isso não, desgraçado! Onde é que eu vou pescar?

NE: Crônica publicada no livro A Levada da Égua ...E Outras estórias, em 2004.

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