domingo, 28 de fevereiro de 2021

Não beber é “imperdoável”

        Beber é bom, não beber é que faz mal! Fiel a esse dogma, de cunho próprio, Elisiário todos os dias, chovesse ou fizesse sol, no  final da tarde passava no “Butantã”, com ele chamava a bodega de Dario, um senhor ilustrado, que após se aposentar de um bom cargo no estado, resolvera “dar sentido a minha vida” e nos últimos oito anos vivia feliz longe “daqueles políticos e gente interesseira”. Encontrara na bodega um lugar “aprazível” e frequentado por gente simples e boa, como sempre dizia.

Na verdade, eram trabalhadores rurais na maioria, mas tinha também o professor Eustáquio, Firmino que trabalhava num cartório, Gregório um seresteiro apaixonado, Vitalmiro para o qual sem a poesia a Terra não girava, Teodoro eletricista e Raimundo, bom mecânico com mania de craque de futebol. Uma verdadeira “salada social”, difícil de ser  classificada, todavia com o escopo de decência e respeito que neutralizava as poucas tentativas de arruaças, quando isso acontecia.

Para Elisiário, marceneiro de reconhecida qualidade, não era preciso discutir nada, bastavam os poemas românticas de Vitalmiro, os boleros de Gregório e algumas palavras pronunciadas pelo professor Eustáquio, que ele não entendia, mas eram bonitas. “Uma situação inadmissível”, dizia o professor falando sobre algum assunto, ou “isso é imperdoável” e assim ele ia tentado ampliar o seu diminuto vocabulário entre uma  bicada e outra da famosa Paturi.

E esse aprendizado à base do “pé de  cana” não foi à toa, um dia iria servir ao habilidoso marceneiro, como serviu mesmo. Cansado, depois de um dia duro de trabalho, colocando o madeiramento do novo telhado da casa de seu Braguinha, com auxilio de Jonas, um jovem ajudante, Elisiário partiu célere para o Butantã, iria molhar o bico pra valer! Mas o golpe foi muito duro, mesmo com a noticia sendo dada de forma cautelosa por seu Dario, que o chamou no canto do balcão e disse baixinho “sua bebida preferida não tem, o representante não trouxe esta semana”. Portanto não tinha Paturi!

Elisiário titubeou, deu um tropeço, como se tivesse recebido um violento soco. Aprumou-se  no  meio da bodega e soltou a voz como nunca fizera, atraindo todas as atenções: “Beber é bom, não beber é que faz mal. Não tem Paturi, isso é uma situação inadmissível. Isso é imperdoável”. Foi aplaudido de pé por todos, principalmente pelo professor Eustáquio, que emocionado, foi abraçá-lo!

 

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