sábado, 27 de fevereiro de 2021

O colapso da saúde e a necessidade de lucidez

        Nas grandes ameaças, isolados, somos todos vítimas indefesas, por isso, nesse momento precisamos de sensatez, ciência, exemplo, união, e liderança. A tragédia imposta ao mundo pelo vírus chinês revelou o pior e o melhor do humano em doses exacerbadas.  Fomos capazes de desviar recursos que mataram pessoas asfixiadas por falta de oxigênio; sem internamento por falta de leito; sem ventilação por falta de respirador, mas, também, fomos capazes da maior colaboração científica de todos os tempos, das maiores campanhas de solidariedade, e do heroísmo impagável das equipes de saúde. Vivemos a dor insuportavel da morte sem luto - que tanta importância para nós - e a horrorosa disseminação de fake news, ou mentiras, por oportunistas, ou por pessoas desprovidas de empatia. Assim, um ano após o primeiro caso, vimos o ciclo do contágio e das mortes se repetir, como em outros países, embora muitas vezes parecêssemos cegos à tragédia anunciada. E, assim, chegamos a mais de 250.000 mortes- e essa perda incalculável.

        Nesse tempo, vimos cair ideias estúpidas que alegavam sermos um país extenso, quente, com um povo que tomava banho no esgoto e não sentia nada, e que estaria pronto para enfrentar a gripezinha e não agir como os maricas do resto do mundo. Outros, destemperados, apelavam para a imunidade de rebanho, essa escolha genocida, eugênica, e que contraria nosso processo civilizatório, esquecendo de combinar com o vírus, essa estratégia. Em nenhum lugar, nem mesmo Manaus, o contágio disseminado impediu uma nova onda- nem na Suécia que foi por muito tempo o bibelô dessa sandice, e que agora obrigou o Rei a pedir desculpas. Ao contrário, isso foi o ambiente que deu ao vírus a oportunidade de usar o corpo humano como oficina para criar cepas mais contagiosas e mais resistentes, tornando inútil essa obscura negação da ciência.

        Nesse ambiente tivemos de conviver com líderes aloprados e gente que nega importância das máscaras, do distanciamento, e das vacinas, defendendo o morra quem tiver de morrer. É a besta humana gritando por mais vítimas. Ao lado disso, o discurso oficial negacionista, o planejamento caótico do Ministério da Saúde, e de muitos governadores,  a precária aquisição de imunizantes, e de testes, contribuiu para as limitações de nossa resposta à pandemia.

        Agora, exaustos mentalmente, economicamente, emocionalmente, com o isolamento e as perdas; com o prejuízo a educação e socialização das crianças; a solidão dos idosos; o peso sobre os chefes de famílias; o cansaço das equipes de saúde; redução dos recursos do estado; estamos diante de uma nova onda da epidemia, mais contagiosa, mais letal, que ameaça colapsar o país de forma inevitável. Colhemos o que semeamos.

        Esse texto, no entanto, não faria sentido se fosse dedicado apenas a compartilhar ressentimentos ou apontar culpados. Cada um já sabe a dor e a delícia de ser o que é, ou o que faz. Não é possível esquecer o passado, mas é preciso mirar adiante. E ter a clara certeza que o pior não passou, por mais assustador que isso seja. Precisamos de lucidez, inteligência, e esperança. É hora de superar essa nódoa que nos marcou, fazer as melhores escolhas científicas, universalizar as melhores respostas técnicas que já obtivemos, agir de forma colaborativa, ser implacável com os desvios de verbas, e creditar a lideranças verdadeiras a missão de enfrentar  o que está vindo e guiar a população pelo melhor caminho possível da sobrevivência, sem estar preso a ambições pessoais, mesquinhas disputas políticas, ou tóxicas divergências de redes sociais.

        Precisamos de uma força-tarefa para enfrentar a devastação anunciada e de consenso que nos una - ainda que não nos aglomere - para podermos nos segurar, pois,  sabemos que agindo na mesma direção podemos vencer, antes que as variantes do vírus se tornem uma opção mais mortal e interminável.

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