A estrada era de barro vermelho, e como estávamos no verão, a poeira fina que os carros levantavam era tão densa que quase todos rodavam com faróis acesos para evitar colisões. Lá pelas tantas o motor do fusquinha apagou. Olhei para o painel e as luzes estavam acesas, mostrando que havia corrente elétrica. O marcador de combustível estava na metade. Mas o professor Antônio Brasileiro, dono da fazenda e do carro, já estava acostumado e nos tranquilizou. Pegou uma lixa no porta-luvas, levantou a tampa do motor, e tirou a tampa do distribuidor, retirou o platinado e nos mostrou a crosta que havia se formado, impedindo a passagem da corrente elétrica. A fina poeira penetrara ali, e a centelha do platinado se encarregou de fundir a poeira e formar uma crosta. Ele lixou, colocou tudo no lugar e retomamos a viagem. Outras paradas iguais tiveram que ser feitas antes que chegássemos ao nosso destino, o que aconteceu dentro do horário previsto.
Na fazenda conheci o administrador, Sarbílio, que juntamente com sua mulher foram os únicos negros que vi na região. Fiquei sabendo que eram raros por lá. No dia seguinte, logo pela manhã, vi pela primeira vez os restos de uma plantação de arroz. E fomos a uma empresa que descascava e ensacava arroz. Vi uma máquina que separava os grãos por tamanho, e notei que antes do mecanismo de separação os grãos passavam por uma peneira por onde passava um pó amarelado que era armazenado separadamente. Questionando descobri que aquele pó concentrava todas as vitaminas do complexo B que o arroz contém, e era vendido a peso de ouro para a indústria farmacêutica, inclusive no fabrico de remédios para aves. A indústria ainda retirava do arroz todo o resquício de vitamina B, deixando branquinho (arroz é amarelo), e ainda parafinavam os grãos para ficarem mais “bonitos”. Ou seja, retiram do arroz a vitamina B, vendem a borra parafinada para os incautos, e vendem a vitamina B que retiram dele nas farmácias.
Estava eu a conhecer os arredores da empresa, enquanto o professor tratava de seus negócios com os empresários, quando um garoto perto de mim gritou: Olha lá, um “aparelho”! Todos que estavam por perto olharam, mas o garoto se enganara, era apenas uma arraia (pipa), que voava bem alto. Mas eu estranhei a naturalidade com que todos se interessaram pelo “aparelho”, e perguntei se eles estavam acostumados com Objetos Voadores não Identificados (OVNIs) pairando por ali, e eles disseram que sim. Eram comuns esses aparecimentos. No passar dos anos sempre que ouvia relatos sobre aparições de OVNIs na Chapada Diamantina, eu não ousava duvidar, até porque eu mesmo e mais alguns amigos, já os havíamos avistado. Mas a maior surpresa ainda estava para acontecer. Conversando com Sarbílio, comentei sobre como ainda havia tanto mato nativo, e não havia cerca, o que denotava (pelo menos para mim) que eram terras sem dono, pertencentes ainda ao Governo. “Que nada. – disse ele – Tudo isso aí tem dono. Tem um deputado lá da sua terra, um tal de Chico Pinto, que é dono de um mundaréu dessas terras aí”.
Eu já havia me decepcionado com Chico Pinto, porque ele andava em Feira de Santana como um homem simples, vestido de forma simples, sempre de alpercatas de couro e boina de guerrilheiro, e dizia-se pobre. Porém, quando eu o reconheci num dos restaurantes mais chiques e caros de Salvador, onde minha família fora almoçar, e o vi todo metido nas sedas e sapatos brilhantes, sem a boina, e conversando alegremente com os políticos que ele mais combatia, perdi a fé que tinha nele. Ser latifundiário na região de Barreiras, para mim foi a gota d´água que faltava para desacreditá-lo de vez. Foi realmente uma viagem muito instrutiva.
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