sábado, 5 de fevereiro de 2022

 

*Dependências*

 

Vou lhes contá como é triste,

vê a velhice chegá,  

vê os cabelo caíno,  

vê as vista encurtá.

 Do “Cordel da Velhice” – autor desconhecido

 Mesmo de óculos, penduricalho facial do qual dependo - inseparável companheiro desde a juventude - eu não mais alcançava distinguir sem esforço, as veias e pequenos detalhes das capas dos meus charutos.

 A me propor degustá-los, havia de trazê-los para quase junto aos olhos, com a distância usual para aspirar seu aroma. Uma visita ao oftalmologista resolveu o problema.

Hoje, quando se fala em dependências, raramente ocorre a imagem dos cômodos de uma casa. Acodem logo, ideias relativas às limitações impostas pela vida: quando não forem drogas - algumas socialmente aceitas – outras, ilícitas.

Todos conhecem a expressão “Fulano é dependente de beltrano para tudo”. A depender do contexto, poderá ser uma questão de ordem pecuniária, uma referência a limitações físicas, etc.

Particularmente, sou cheio de dependências.

Sou dependente de óculos, para meus olhos verem o carinho dos amantes.

Sou dependente das mãos, para apalpar e sentir junto a mim aquilo que aprecio.

Sou dependente da mulher e dos dois derradeiros filhos, trindade da perfeição, a família da melhor idade.

Sou dependente do computador, para quando quero, estar em contato com o mundo.

Sou dependente de meus charutos, fiéis escudeiros e amigos de minhas jornadas interiores.

Sou dependente dos oitenta anos vividos com seus impostores limites a joviais desejos.

Para finalizar sem esgotar, sou dependente de meus leitores, viciado por dizer-lhes das coisas pensadas, sem terem perguntado algo.

  

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA. 

 ([email protected])

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