Eu, covidado!

        

Aos 68 anos muito bem vividos, já tendo passado por experiências inimagináveis, grandes vitórias e grandes fracassos, nunca dei muita bola para o vírus inventado pelos “Flangos Flitos”, e só pensava num jeito de desmoralizá-lo. Pra quem como eu já enfrentou todo tipo de doenças, e já passou por cirurgias que vão de unha encravada ao coração, sofrimento pouco é besteira. Já fiquei cismado com aquela estória do Fique em casa e só vá ao hospital quando estiver morrendo”. É ruim. Se eu ainda tivesse uma boa visão, eu saía de casa todos os dias, só pra bater perna e sacanear os tiranetes do “tranca tudo”. Depois que se vive uma vida tão intensamente, medo não é uma opção.

         Aí me encastelei à frente do computador e comecei a incentivar a galera a fazer tudo ao contrário do que a turma do “Tranca” quer. Pirraça é comigo mesmo. E assim estava eu, tocando minha vidinha de aposentado que só tá feliz quando está trabalhando, fazendo minhas crônicas, contando meus causos e publicando minha coluna semanal de variedades, a Sempre Livre. Só que a vida em Feira tava ruim. Principalmente para Maura. Tive então a ideia de mudar para Riachão, onde a casa dos pais dela estava desocupada. Baixamos de mala e cuia em Riachão do Jacuípe. Tudo correndo suave como bumbum de bebê. Mas ninguém zomba da vida impunemente. E comigo não foi diferente. A Veia da Foice, minha companheira de tantas jornadas, apareceu na forma de uma tossezinha seca e insistente. Alí eu percebi a jogada. Ela estava me “convidando” para dançar e seguir com ela.

         Lá pelo quarto ou quinto dia, eu delirava. Sentava-me na beira da cama e ficava digitando num teclado imaginário, escrevendo Deus sabe lá o que. Voltei ao sono e disse a minha Veia amiga que eu não poderia ir com ela ainda, a não ser que o Senhor tivesse determinado. Mas não era o caso, portanto, eu ficaria para resolver algumas coisas ainda pendentes e prometi que, no dia em que for chamado, eu vou de boa. Principalmente agora que venci esse peste do “Flango Flito”.

         E a derrota dele foi vergonhosa. Perdeu para um idoso cheio de comorbidades, mas que desde que nasceu, sua vida foi lutar contra doenças Sarampo, papeira, essas bobagens eu tirei de letra. Sopro no coração, nunca dei bolas pra ele. Fazia tudo que me diziam que não poderia fazer. Nefrite (doença nos rins) vencida após seis meses de cama. Diabetes, que me causou uma retinopatia, que me levou olho e quase leva os dois. Gastrite, que me custou nove dias em jejum numa cama de hospital. Pancadas na cabeça e em diversas partes do corpo, mordica de cobra e tantos outros ferimentos por diversas partes do corpo, quedas cinematográficas. Os irmãozinhos menores trabalharam muito para tentar me retirar do palco antes do fim da peça, mas sempre venci. Agora eu posso morrer subitamente, mas não por causa desse maldito “Flango Flito”.