sábado, 4 de fevereiro de 2023

 


* Privilegiados *

           Trato, agora, de vivências protocolares ao início do presente século.

 A migração, então ocorrida, do hábito postal para o eletrônico, exigiu do internauta adaptar-se a outros comportamentos. As cartas tradicionais chegavam, de forma automática, às nossas mãos. Alcançadas por alguém do escritório ou da casa, apenas exigiam o esforço de abrir os envelopes. Com o advento do e-mail a coisa mudou. 

Ter-se um endereço eletrônico sem acessá-lo, equivalia a ter-se uma caixa postal e não ir aos Correios, abri-la. Consequência: aquilo que seria veloz tornava-se quase obsoleto; retornávamos ao tempo das carruagens.

 Segundo minha experiência, certos amigos destinatários das minhas crônicas, enfrentaram tal drama. Passaram a ter endereço eletrônico, mas quem o acessava, em casa era, um filho adolescente; no escritório, a secretária.

No caso dos jovens, por julgarem o assunto “careta”, alguns, o deletavam; no caso das secretárias, as que, em silêncio, “odiavam” a fumaça dos charutos, por contaminar seus cabelos, não encaminhavam a mensagem sob o pretexto de “não aporrinhar o chefe”. 

Resultado: rompia-se o elo da comunicação; comprometia-se o relacionamento emissor-receptor. 

Certo dia, ano 2003, um de meus destinatários eletrônicos, ao telefone, cobrou-me a falta de cartas. 

“’Mas Fulano, tenho enviado as crônicas para seu e-mail” – argui.

“Meu e-mail?” -  indagou surpreso, em seguida retificou:

“Ah! Meu e-mail, quem acessa é minha filha”.

Sem comentários. 

Quem não incorporara a seu cotidiano o hábito de abrir sua caixa eletrônica (ou o de indagar a quem o faz), melhor seria optasse em receber suas mensagens pela via postal. 

Com charutos, tal entrechoque entre passado e presente, ainda hoje funciona mais ou menos assim. 

Fumá-los exige comportamento distinto. Saber enfrentar a maré de reclamações dos circunstantes, “sem perder a chave”, quando as baforadas espalham o aroma do tabaco, requer perseverança igual àquela do acessar as mensagens do computador. Saber “dar a volta por cima” e com compreensiva paciência, entender tratar-se tal hostilidade, ser igual uma lacuna cultural.

 Assim, como é reduzido o universo de admiradores de bons vinhos, poucos são apreciadores dos charutos. Por isso, detentores de um saber-viver que os distingue dos comuns mortais, são privilegiados, apesar de estarem, cada vez mais, patrulhados.               

Modernidade e a tradição em convivência

 

 

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos

Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel,

vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

[email protected]

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