Acima do mundo podre, as garças brancas em voo livre cortaram o céu desenhando uma curva no azul de Copacabana antes do pouso diante do mar calmo.
Da janela de seu apartamento, tão livre quanto a tornozeleira eletrônica permite, Sergio Cabral contemplou encantado as garças, renovando seu olhar fatigado das celas sem horizonte de Bangu 1.
Cuspiram, Sergio Cabral e a Justiça Brasileira, no rosto dos esfomeados caçadores de restos de ossos, dos mortos sem atendimento médico, dos assediados no transporte coletivo, dos apavorados que moram com medo em celas invisíveis impostas por milicianos e traficantes.
Cuspiram nas meninas que se prostituem ou são usadas nas sarjetas da invisibilidade. Na cara dos explorados pelos donos do poder com seu coronelismo de benefícios que fazem os novos escravos.
Após seis anos de prisão preventiva, nenhum julgamento foi realizado e todos os tribunais, de todas as instâncias, seus ocupantes, consideraram como normal – o rigor da lei é o último refúgio dos hipócritas- o réu ser libertado. E nenhum juiz, promotor, procurador, ministro, ouviu a voz rouca das ruas em seu ensurdecedor grito pedindo o fim da impunidade.
Nem o Congresso- salvo exceções- beneficiário direto de nossa imoralidade judicial e litigância de má fé se preocupa em dar qualquer resposta a essa sociedade arrebentada, escarnecida, tripudiada, violentada.
Os sórdidos, os abutres, os oportunistas que usufruem das franjas generosas do sistema, festejaram com seus champanhes - quem sabe de calção no STF- a liberdade de Sérgio Cabral, como mais uma rachadura definitiva no monólito de combate a corrupção herdado da lava-jato.
Sérgio Cabral, livre, lavou os olhos na brisa salgada de Copacabana – como é doce viver no mar. Enquanto isso, milhões de brasileiros cabisbaixos remoíam a bile da vergonha e do desespero.
E nem viram o voo das garças!
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