Tive um professor durante meu curso que sempre que ia conosco visitar a enfermaria para discutir um caso, ao chegar perguntava ao paciente o nosso nome. Caso ele não soubesse a espinafração - ampla, geral e irrestrita- era imediata.
- Você não se apresentou corretamente. Se o paciente nem seu nome sabe como pode querer que confie em você e que eu confie no que você vai me contar? Quando alguém aprende nosso nome ele nos incorpora ao seu destino. Aprendam.
Assim, nós fazíamos uma odisseia de identificação para evitar o carão do respeitado mestre. Recordo-me de um paciente. Ele tinha oscilações de memória e li textos, conversei sobre a vida, para ele fixar meu nome.
Na visita o mestre perguntou: como é o nome de seu médico?
-Não sei não.
-Ele não se apresentou?
-Não!
-Me apresentei - disse apavorado ao mestre, já preparado para promover meu extermínio.
-Você não sabe quem ele é?
- Ah, quem ele é eu sei.
- Então, quem é ele?
- Um cheirador de nuvens.
-Como é?
-Todo dia ele ficava lendo uns escritos sobre a vida comigo e me dizendo o nome dele, mas não aprendi. Ele é desse povo cheirador de nuvens. A história virou comédia familiar.
Não sei que sonhos meus pais tinham para mim. Achei melhor não perguntar - não fiz o melhor, mas a omissão é uma estratégia de sobrevivência - afinal, o esforço deles para me criar foi gigante. Grandes investimentos; grandes expectativas. Temo que tivessem alguma desconfiança sobre minha capacidade e inteligência. Não os julgo. Eu também as tenho, afinal, um ser humaninho que não sabe fazer bola de chiclete, como eu, não pode estar no topo da cadeia alimentar.
A verdade é que de repente entre os últimos dias de Sodoma e Gomorra e começar o uso de pílulas permanentes - a sinalização indiscutível que o jogo virou e não foi a seu favor - a gente começa a escanear a existência tentando separar o feito ( minoria) do mal feito ( o abundante) para encontrar uma razão de viver, manter o plano de saúde, e deixar algum exemplo - ou ao menos uma versão melhor editada - para os filhos e netos, se existirem.
- Pai, como era meu avô?
- Um pulha. Nunca mereceu sequer uma delação premiada, um habeas-corpus do Supremo. Sinal que nunca teve poder, não fez nada de importante.
Bem, talvez não estejam tão errados. Dependesse de mim, eu teria morrido com os dinossauros.
- Outro dia li um texto dele, pai.
- Um texto?
- Sim. Ele escrevia textos?
- Escrevia. Não servia para muita coisa, mas escrevia.
-Para quem?
- Acho que eram todos para ele mesmo.
- Eu gostei. O que ele fazia?
-Era um cheirador de nuvens, filho. Isso. Um cheirador de nuvens!
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