Uma casa de repouso
na cidade britânica de Birmingham criou uma "rua sensorial" - com casa
de chá, loja de doces e agência dos correios - para ajudar a estimular
os idosos.
A experiência tem sido positiva especialmente entre os
residentes com sintomas de demência, ajudando a despertar memórias e a
se conectar com as próprias emoções.
À primeira vista, a Robert
Harvey House parece um lar para idosos como os outros espalhados pela
Inglaterra - exceto talvez pelas músicas antigas, muitas da década de
1950, que ecoam pelas caixas de som.
A surpresa está nos fundos. Quem visita a parte de trás dá de
cara com uma cabra que em geral pula para receber os visitantes na
esperança de ganhar pedaços de verduras e legumes.
Não muito longe dela, um papagaio grita "hello"
para os passantes e, um pouco mais à frente, vê-se uma réplica da High
Street, uma das ruas de compras mais famosas da cidade.
Nela, a bomboniere tem
as prateleiras cheias de jarras com balas de alcaçuz e outros doces de
antigamente, a agência dos correios é vizinha de uma bomba de
combustível como a de outros tempos e a casa de chá está decorada com
bandeirinhas do Reino Unido.
"A coisa foi crescendo e, em determinado momento,
dissemos: 'vamos fazer isso direito, não apenas fachadas de lojas, mas
espaços que as pessoas de fato possam usar, que famílias possam usar'",
explica Anthea Reid, diretora da casa de repouso.
Perto das
gaiolas com os papagaios há ainda porquinhos-da-índia e patos, além das
cabras comilonas - todos colocados ali com o intuito de estimular os
sentidos dos idosos.
Ambientes que estimulam
A inspiração veio de um modelo parecido visto pela equipe em um lar para idosos na Noruega.
"Eu acho excelente. Dá a eles novos elementos para
conversar", afirma Viv Semmens. Sua mãe, Audrey, tem 90 anos e vive na
Robert Harvey House há dois.
Assim como mais da metade dos residentes da casa de repouso, a idosa também sofre de demência.
"Ela
não consegue lembrar a última vez que viu um açougue", exemplifica Viv.
"Só de pensar sobre esses assuntos é algo muito positivo - como ela se
sentia quando era mais jovem, os lugares que visitava naquela época."
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A casa de chá da 'rua sensorial': cada vez mais lares de idosos têm dado atenção às 'necessidades psicológicas' dos residentes, diz a pesquisadora Sarah Smith |
Promover o contato com ambientes que gerem estímulos
e oportunidades de interações sociais são aspectos fundamentais no
cuidado com os idosos, diz Sarah Smith, pesquisadora-sênior sobre
demência na Universidade Leeds Beckett.
Pessoas com demência
podem ter dificuldade para acessar as memórias, mas isso não significa
que as lembranças tenham sido perdidas, pondera a especialista. Assim,
estímulos sensoriais podem ajudar os idosos nessas condições a recuperar
parte delas.
"As memórias resgatadas são tipicamente de períodos
do início da vida adulta, consideradas definidoras da personalidade",
pontua Smith. "Entrar em contato com essas reminiscências pode reforçar o
senso de identidade e promover bem-estar."
Depois de visitar mais
de uma dúzia de lares para idosos, Viv Semmens diz ter "absoluta
certeza" de que a mãe está no melhor lugar possível. "Ela participa
sempre que tem oportunidade e realmente parece aproveitar cada
experiência", ressalta.
Momentos preciosos
Cerca
de metade dos residentes está ali com recursos próprios e da família e
metade é atendida pelo sistema público de saúde britânico, o NHS.
A
casa de repouso é administrada pela organização sem fins lucrativos
Broadening Choices for Older People (BCOP, ou "ampliando escolhas para
idosos", em tradução livre), que também realiza constatemente campanhas
de arrecadação de fundos para manter as instalações.
Como a
tendência é que a saúde da maioria dos residentes com sintomas de
demência vá se deteriorando lentamente, a prioridade é dar aos pacientes
a melhor qualidade de vida possível, diz a ONG.
"Mesmo que o dia
esteja feio lá fora, a gente arranja um cobertorzinho, leva-os para a
casa de chá, liga o aquecedor e tenta criar um momento especial", diz
Anthea.
Residentes com demência em estágio avançado não
necessariamente lembrarão o que aconteceu, "mas, nem que seja por um
breve momento, se há uma conexão, um sorriso, uma gargalhada, essa é a
coisa mais importante", afirma Caroline Cooban, presidente da BCOP.
A Robert Harvey House também atende pessoas com doenças mentais.
Chris
Garrett e a esposa, Jane, estão juntos há 22 anos. Eles aproveitavam
juntos a aposentadoria quando ela teve um colapso nervoso e precisou ser
internada.
A britânica passou quatro anos entre hospitais e clínicas especializadas.
Em
janeiro, quando ela foi liberada da internação compulsória - mecanismo
previsto pela legislação britânica em alguns casos por meio do Mental
Health Act -, Chris decidiu tentar a Robert Harvey House.
"A
especialista que acompanha Jane diz que a forma como ela vem se
recuperando parece milagre. Ela reconhece as pessoas, socializa - e acho
que muito disso se deve a esse ambiente", destaca o marido.
Jane
e Chris comemoram datas especiais - de aniversários ao Dia dos
Namorados - na casa de chá e todos os dias Jane se vê entretida
conversando com os papagaios que ficam próximos à sua janela.
"Desde que cheguei, com os animais, o cuidado e o carinho, isso tudo me fez melhorar", ela conta.
Smith
afirma que a importância das necessidades psicológicas no cuidado com
os idosos tem sido cada vez mais reconhecida, o que tem se refletido nas
casas de repouso, que têm adotado práticas que envolvem atividades de
estímulo à memória ou experiências sensoriais.
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Jane e Chris comemoram o Dia dos Namorados na casa de chá da Robert Harvey House |
Para a especialista, "cada vez mais evidências mostram que há muito o que se fazer para que pessoas com demência vivam melhor".
"Dito isso, algumas casas de repouso ainda têm
dificuldade para prover esse nível de assistência por diversas razões,
desde a falta de recursos e de treinamento da equipe até
desconhecimento."
Anthea se emociona quando perguntamos o que ela mais gosta no trabalho que desenvolve na Robert Harvey House.
"Somos
uma família. Todo mundo aqui, funcionários da limpeza, cuidadores,
cozinheiros, todo mundo está aqui", ela diz, apontando para o coração. (BBC News Brasil)
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