 Benditos os navegantes de antigamente que acreditavam que a terra 
acabava na linha do horizonte, de onde cairiam, mas que nunca deixaram 
de lançar seus frágeis barcos nessa direção; bendito os que pintaram 
mensagens nas cavernas acreditando que um dia seriam lidos, ainda que 
sequer soubessem se haveria amanhãs; benditos os catingueiros do árido 
sertão, marcados pelas sete adagas de anjo, que nunca se mudam de sua 
terra, porque não hesitam, não duvidam, que o tempo da chuva e dos 
ventos será alcançado.
Benditos os navegantes de antigamente que acreditavam que a terra 
acabava na linha do horizonte, de onde cairiam, mas que nunca deixaram 
de lançar seus frágeis barcos nessa direção; bendito os que pintaram 
mensagens nas cavernas acreditando que um dia seriam lidos, ainda que 
sequer soubessem se haveria amanhãs; benditos os catingueiros do árido 
sertão, marcados pelas sete adagas de anjo, que nunca se mudam de sua 
terra, porque não hesitam, não duvidam, que o tempo da chuva e dos 
ventos será alcançado.
  Benditos os que não deixam de semear suas roças, ano após ano, sem 
praguejar contra os deuses ou a sorte, sem deixar de recomeçar, com mais
 cuidado e mais esperanças, as leiras do inverno que ainda vem, ainda 
que tarde a chegar
  Bendito os que não tiram os céus dos olhos. Os que confiam. Os que 
acreditam na própria imensidão e percorrem suas léguas. Bendita as 
cartas de Maria do Alcoforado, bendito Shakespeare e seu soneto CXVI, 
Romeu e Julieta, Othelo e Desdemôna, bendito meu coração que envelheceu 
sem ceder ao outono.
  Mas agora, que são outros os anéis de Saturno, que a lua não tem 
dragões, que domaram o sal do mar- tanto sal, tanto mar- e tudo é 
substituível, como amar a mulher que desistiu das eternidades?
  Como amar, na estreiteza de seu peito, se não guardam a perenidade que
 desfaz os incrédulos; se não tem o desespero de quem faz sua lavoura 
arcaica, sabendo ser única, a colheita da boca; se não têm fé e não 
talham a pedra da caverna para serem lidas em outras vidas e nos 
reencontros?
  Como amar, diante de um tempo de tantas incertezas, da urgência de 
tudo, e da alma liquefeita? Como nunca partir dos cais se cais já não 
há, nas oferendas delas?
  Como amar sem tabuas de salvação, se tábuas, já não há, e permanecer 
entre os disfarces de amor, se ele já não arde sem se ver? Como amar uma
 mulher, se elas, antigas fiandeiras, já não tecem o fio do destino, e, 
delas, de suas margens, já não podemos nos atirar em nossos frágeis 
barcos de homem ao mundo que acaba no horizonte?
  Bendita seja, a que resiste e não reza nas cartilhas do líquido e temporário..
 
 
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